No tempo da ditadura, Chico Buarque era uma unanimidade nacional, ou quase. Até os generais-presidentes Costa e Silva e Garrastazu Médici apreciavam as suas músicas mais líricas. É possível que alguns militares menos românticos e mais durões não gostassem – mas suas filhas gostavam.
Hoje, apesar de viver um dos melhores momentos de sua carreira, em plena maturidade criativa, já com uma obra monumental e lugar de honra na nossa história, Chico, que sempre se acreditou amado, descobriu nos blogs da internet que é (também) odiado. Pelas milícias partidárias que unem a ignorância e a intolerância para desqualificar uma obra e um artista pelas suas opiniões políticas. Em 1968, vaiado pela esquerda universitária, Caetano Veloso gritava em seu célebre discurso: “Se vocês forem em política como são em estética, estamos feitos”. Os que hoje xingam Chico atualizam as mesmas palavras.
É um clássico da condição humana. A inveja e o ressentimento que se transformam em ódio irracional contra indivíduos vitoriosos, admirados por muita gente, que ganham dinheiro com seu trabalho, que não têm patrão nem comandante e podem viver com liberdade e independência. Sem sequer ler o que escrevem sobre eles. Para quem escreve, como militante anônimo de uma engrenagem coletiva, é a oportunidade para descarregar suas misérias e frustrações pessoais sobre o invejável invejado. Pena que ele não vai ouvir.
A política é transitória e contraditória. Pela visão do Zé Dirceu, fã de Chico, os que são contra o aborto e a favor da pena de morte e da maioridade penal aos 16 anos são “de direita”. Então a maioria da classe média tão cortejada pelos políticos, que elegeu um governo de esquerda, é “de direita” e não sabe?
A ironia é que esta nova e imensa classe média, alardeada como grande vitória de governos progressistas, é cada vez mais conservadora, pelo instinto natural de manter suas conquistas recentes, casa, carro, consumo, emprego, com lei e ordem e sem sobressaltos. E também gosta de Chico Buarque.
As paixões políticas passam, a obra artística permanece. Não se afobe não, que nada é pra já.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 24/02/2012
Chico Buarque, na época da ditadura, posava de paladino da democracia, com suas canções de protesto contra o regime, a censura, a repressão. Depois descobriu-se que esse senhor é um beija-mão do Fidel Castro, criador de uma das piores ditaduras do América Latina até hoje. Impossível a contradição não contaminar pelo menos a parte política de sua obra. E isso não tem a ver com despeito ou ressentimento por ele ser bem-sucedido, mas sim com a sensação de impostura que suas posições políticas impõem à parte de suas criações. Além disso, ele não é nenhuma Leni Riefenstahl, que era genial, apesar de cineasta do nazismo. Chico sempre foi um bom compositor, mas, em termos de inovação estética, nunca lá grande coisa. De qualquer forma, odiá-lo e xingá-lo em redes sociais não tem nada a ver.
É extremamente complicado definir e entender a tendência da opinião pública. Este artigo aborda a questão de maneira simples e direta.
Concordo,Nelson Motta. Muitos blogs usam de poucos argumentos, muitas caricaturas e omissões de fatos para provocar nos leitores “certezas” apaixonadas, parente do ódio,como a que desqualifica um Chico Buarque por sua ideologia. O problema é que hoje é difícil escapar desses efeitos sombrios, pois a grande imprensa não nos oferece a alternativa que historicamente lhe cabe em uma sociedade democrática. A leitura dos grandes jornais provoca os mesmo efeitos dos blogs e panfletos, com o agravante de se tratare de uma empresa e vários jornalistas. Sua referência ao Chico me faz lembrar de um exemplo:quem quiser uma avaliação razoavel dos prós e contras do governo atual fica entre a idolatria de blogs e a demonização da grande imprensa.Bom ou mau, o atual governo tem um traço bom para a democracia, ele causa controvérsia entre os brasileiros. É o quê vemos nas urnas e o quê não vemos na grande imprensa, tão consensual e apaixonada em sua avaliação contrária ao governo.