Parecia moleza: os governos gastam dinheiro em obras e programas sociais, adquirem alguns grandes bancos e empresas, devolvem imposto para os contribuintes comprarem alguma coisa no shopping e, pronto, a economia está salva. De quebra, reativa-se a ideologia segundo a qual só o “capitalismo de Estado” tem futuro neste mundo conturbado, tese que uniu governantes com origens bem diversas, como Sarkozy e Lula.
E a verdade é que funcionou. Evitou-se o colapso financeiro, o mundo já saiu da recessão, as bolsas voltaram a subir, mas antes mesmo que se começasse a comemoração o diabo apareceu na forma de déficits e dívidas públicas astronômicas.
Desde o início se sabia que seria assim. Mas quem se importava com rombos futuros nas contas públicas quando a economia global estava à beira do precipício? Depois se trata disso, era o que todos diziam, esperando que fosse “muito depois”, quem sabe nos próximos governos.
Saiu antes, porém, e por um bom motivo. A crise ou, se quiserem, a fase aguda da crise passou mais depressa do que se esperava. Em consequência, o problema seguinte também surgiu antes: o que se faz agora com o rombo nos orçamentos públicos? Todo mundo sabe a resposta: uma combinação de corte de gastos e aumento de impostos. Todo mundo conhece também os obstáculos políticos.
Barack Obama sugeriu aos congressistas americanos a formação de uma comissão bipartidária para buscar soluções. Não deu certo. Os republicanos não toparam porque desconfiaram que Obama buscava um meio de legitimar aumentos de impostos.
Os democratas também caíram fora, porque desconfiaram que a proposta terminaria em corte de gastos em programas sociais.
O dilema de fundo não é novo: há, sempre, uma demanda por serviços públicos e ações de governo ao mesmo tempo em que há uma resistência a impostos. Conser vadores, por exemplo, especialmente nos EUA, não hesitam em aumentar os gastos militares e com segurança em geral, como fez George Bush. A esquerda privilegia os programas sociais. Por todo lado, sobem os gastos com aposentadorias, simplesmente porque as pessoas vivem mais. Por isso, quando se olha no longo prazo, é fortíssima a tendência de aumento da presença do Estado na economia.
Agora, basta fazer uma pesquisa e as pessoas reclamam que pagam impostos de mais, para serviço de menos.
Neste momento, outros fatores tornam o dilema mais agudo. A redução de gastos públicos, agora, pode interromper a recuperação da atividade econômica e deixar o governo sem meios de atender as maiores vítimas, como os desempregados e os mais pobres.
Esse entendimento é dominante.
FMI, Banco Mundial e governantes em todas as regiões repetem que não é hora de “retirar os estímulos”. Pelo mesmo motivo, o empobrecimento das famílias, não dá para falar em mais impostos.
Mas também já está claro que é preciso ao menos indicar como se vai tratar da questão dos déficits e dívidas.
A crise, de fato, deu aos políticos do mundo todo uma licença para gastar, que eles aproveitaram alegremente.
Só que não era de graça. Ou seja, a velha questão não foi eliminada: como se vai pagar a conta? Isso é política. A gente sabe que será preciso cortar gastos e aumentar impostos. Mas quais gastos? E impostos de quem? Ao lado disso, fica de pé outra história, a da eficiência dos gastos públicos.
Eles têm aumentado em toda parte, mas os benefícios percebidos pela população não evoluem na mesma proporção.
Ronald Reagan colocou na moda dos anos 80 a frase: “O governo não é a solução, é o problema.” E mesmo Bill Clinton e Tony Blair, colocados à esquerda no quadro político de seus países, garantiram, nos anos 90, que estava encerrada a era do “Estado grande”.
Mesmo com essa retórica, gastos públicos continuaram subindo e se tornaram a salvação, prática e teórica, depois da crise de 2008.
E agora, o que a gente faz com o rombo?
Fonte: O Globo, 28 de janeiro.
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