Jair Bolsonaro ganhou as eleições. Mas quem levou mesmo foi o Facebook. O WhatsApp — parte do conglomerado que reúne 2,6 bilhões de usuários em quatro das cinco redes sociais mais usadas no mundo (excluindo a China) — garantiu a Bolsonaro um lugar de honra na lista de terremotos políticos recentes, ao lado do indiano Modi, do filipino Duterte, do americano Trump e do britânico Brexit. A influência das redes sociais em eleições, protestos e manifestações de toda sorte não surpreende mais ninguém. “Em campanhas recentes, o candidato com a maior e mais engajada comunidade no Facebook em geral venceu. Assim como a TV se tornou o meio primordial para comunicação política nos anos 60, as redes sociais estão se tornando no século XXI”, escreve o historiador americano Siva Vaidhyanathan, da Universidade da Virgínia, em Antisocial media (Mídia antissocial).
Vaidhyanathan é discípulo do britânico Neil Postman, autor do clássico Amusing ourselves to death (Nos divertindo até morrer). Em 1985, Postman escrevia que o maior risco à democracia não era o totalitarismo descrito por George Orwell em 1984, mas a distopia retratada por Aldous Huxley em Admirável mundo novo. “Orwell temia aqueles que proibiriam os livros. Huxley temia que não haveria motivo para proibir um livro, pois não haveria ninguém que quisesse lê-los”, escreveu Postman. “Orwell temia que a verdade fosse escondida. Huxley, que fosse afogada na irrelevância.” Para Vaidhyanathan, o Facebook é a realização da profecia de seu mestre: um mundo sem paciência para autonomia ou espaço para democracia, preguiçoso, narcótico, meio bobo — e meio divertido.
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Quem quisesse, diz ele, construir uma máquina para “distribuir propaganda a bilhões de pessoas, distraí-las, insuflar ódio e fanatismo, erodir a confiança social, enfraquecer o jornalismo, disseminar dúvidas sobre a ciência e promover vigilância em massa, tudo ao mesmo tempo, criaria algo parecido com o Facebook”. Como a maior história de sucesso do Vale do Silício virou o lar de nazifascistas, terroristas, extremistas, anti-iluministas, ressentidos e revoltados? A resposta, afirma Vaidhyanathan, repousa na personalidade e na ideologia de Mark Zuckerberg, alguém que julga “profundamente despreparado”, sem sensibilidade para nuances, complexidades, contingências e dificuldades; dotado de senso moral, mas sem noção histórica dos males de que a humanidade é capaz; alguém cuja ideologia vê o software como solução universal a todo problema humano.
O resultado são redes que dividem mais que unem as pessoas, sem contribuir para riqueza cultural, compreensão mútua ou diálogo democrático. Projetadas para despertar emoções fortes, movidas a “engajamento”, excelentes para motivação. Mas não para reflexão ou deliberação. Onde os usuários ficam dependentes de seus próprios grupos, isolados de vozes discordantes, impermeáveis a um conjunto de verdades comuns. “O autocrata, a organização terrorista, o grupo insurgente, o troll que só quer zoar compartilham a mesma relação com a verdade: a julgam desnecessária”, diz Vaidhyanathan. O Facebook não criou tais males. Mas é essencial para que cresçam. Só contribui para piorar o mundo porque seus líderes acreditam ter o poder de torná-lo melhor. No afã de fazer o bem, Zuckerberg e seus acólitos ignoram a natureza política tanto da comunicação quanto da tecnologia.
Ele defende que a empresa de mídia mais poderosa do planeta seja quebrada em pedaços, que governos regulem as redes sociais para preservar a privacidade e a democracia. Se já é difícil nos Estados Unidos, será ainda mais no Brasil. Foi pelo Facebook que Bolsonaro decidiu fazer seu primeiro pronunciamento depois da vitória. Os generais nacionalistas que o cercam, tão preocupados com a exploração estrangeira das riquezas da Amazônia, ignoram a tragédia de países como Índia, Filipinas ou Myanmar e nem dão bola para os riscos que o Facebook traz. Não apenas à democracia, mas à própria segurança nacional.
Fonte: “Época”, 09/11/2018