A folha de pagamentos do funcionalismo tira o sono de governantes. Seu custo é elevado e crescente. No nível federal, representa 22% das despesas, em um orçamento deficitário em R$ 159 bilhões este ano. Se nada for feito, as cifras vão crescer, pois 39% dos servidores do poder Executivo federal vão se aposentar nos próximos 10 anos, e pela regra antiga, que prevê integralidade das aposentadorias. Nos entes regionais, o quadro é mais grave. São 16 Estados e 83% dos municípios que já não cumprem algum limite constitucional de gastos com a folha (limite de alerta, prudencial e teto).
São várias as iniciativas propostas pelo governo federal, ainda que insuficientes: plano de desligamento voluntário, incentivos para licença sem remuneração e jornada de trabalho reduzida, mudança de salário inicial, progressão funcional para entrantes, aumento da contribuição previdenciária de inativos que recebem acima do teto e adiamento do ajuste salarial acordado para 2018.
Segundo a imprensa, alguns sindicatos dos servidores vão entrar na Justiça contra a medida provisória que trata dos dois últimos tópicos. Algumas categorias iniciaram paralisações. A justificativa é que estaríamos diante da “mais grave conjuntura da história do serviço público”.
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Inacreditável a desconexão com a realidade, e vinda daqueles que são a elite do funcionalismo e estão no topo da distribuição de renda. Trata-se, na realidade, da mais grave crise fiscal da história, afetando políticas públicas e ameaçando o equilíbrio macroeconômico. A solução dependerá do esforço de todos, principalmente dos mais privilegiados.
Os salários do funcionalismo não estão defasados. Pela Rais (emprego com carteira), o rendimento médio do setor público aumentou em média 9,4% ao ano entre 2003-15, contra 8,3% no setor privado e inflação média de 6,3% ao ano. Pela PNAD (emprego total), houve aumento acumulado de 10,3% no rendimento médio do funcionalismo desde 2016 contra 9,7% do setor privado, enquanto a inflação foi de 8,2%.
As propostas do governo são, na realidade, tímidas. Enfrentar o problema passa por suspender ajustes salariais e adotar tabela progressiva na contribuição dos inativos, além de flexibilização da estabilidade dos servidores e mudança das regras da Previdência.
Servidores públicos têm estabilidade, direito de greve e muitos deles aposentadoria integral. Ainda, trabalham 40 horas semanais contra 44 na iniciativa privada e os salários são maiores. No nível federal, o rendimento do funcionalismo é 2 a 3,5 vezes maior que o do setor privado, dependendo da qualificação. Enquanto isso, o trabalhador do setor privado enfrenta o ambiente meritocrático e o risco de desemprego.
O salário inicial no serviço público é significativamente superior às carreiras equivalentes no setor privado e o servidor alcança o topo da carreira bem mais rápido do que os trabalhadores privados. Um salário inicial de R$ 5 mil, proposto pelo governo, ainda deixaria o indivíduo no grupo dos 10% mais ricos (considerando apenas o rendimento do trabalho). Segundo estimativa do governo, a reestruturação das carreiras economizará R$ 70 bilhões em 10 anos.
Os servidores públicos estão em rota de colisão. Não compreendem que a alternativa ao ajuste é o agravamento da crise. Salários atrasados já são realidade em vários Estados e municípios, sem contar a utilização indevida de recursos destinados à educação e à saúde para pagamento da folha. Essa poderá ser a realidade em breve no nível federal.
Quando ainda aluna de graduação na Faculdade de Economia da USP, uma lição de José Pastore se mantém atual. Dizia o professor que no dia em que o funcionário público entender que somos nós que pagamos seus salários e aposentadoria, a relação com a sociedade será diferente.
Certamente é crucial a valorização da carreira do funcionalismo, aliada à meritocracia. Mas não se pode perder de vista que a função do Estado é servir ao cidadão, não ao funcionário público.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 09/11/2017.
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