Quem pode esquecer R$ 1,26 trilhão, cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, a maior economia latino-americana e uma das dez maiores do mundo? Resposta fácil: os defensores da recriação da CPMF, o imposto sobre o cheque. Liderados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, orquestrador do movimento lançado oficialmente na semana passada, eles lamentam a perda de R$ 40 bilhões anuais como se esse dinheiro fizesse falta num país com uma das maiores cargas tributárias do mundo. A intenção, segundo agora se diz, é ressuscitar a CPMF não só com outro nome, mas também com uma alíquota menor, para produzir uma receita na faixa de R$ 20 bilhões a R$ 24 bilhões por ano. Essa arrecadação, argumentam, é essencial para a execução das políticas de saúde. Combater esse tributo, portanto, é ficar contra os pobres, principais beneficiários da ação governamental. Não falta quem acredite nessa afirmação, assim como não falta, certamente, quem aceite outra bobagem repetida por defensores dessa aberração tributária: só ricos pagam a CPMF. Na verdade, todos pagam, direta ou indiretamente, porque esse tributo afeta o preço de toda mercadoria.
Coube ontem ao ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, falar sobre o assunto sem mencionar a carga tributária brasileira. Numa entrevista à Rádio Bandeirantes, ele admitiu haver margem para mais eficiência na execução das políticas de saúde. De vez em quando o ministro do Planejamento destoa de forma quase estridente do padrão petista, ao aceitar o debate sobre a qualidade da gestão pública. Mas os programas do setor também dependem, segundo ele, de mais dinheiro. Se se tratasse de apenas mais R$ 1 bilhão, acrescentou, o governo federal poderia simplesmente remanejar verbas. Mas não poderia atender a uma demanda muito maior, mesmo com um aperto nas despesas correntes.
O ministro Paulo Bernardo costuma discutir de forma civilizada, sem fugir dos problemas e apoiando seus argumentos com boa informação. Ontem, mais uma vez ele seguiu seu padrão e suas alegações seriam convincentes, se o ouvinte esquecesse alguns detalhes importantes. O primeiro, é claro, é o tamanho da tributação. Não se pode alegar falta de dinheiro para funções básicas de governo, como educação e saúde, quando a arrecadação é maior – como parcela do PIB – que a de vários países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão, Canadá, Espanha, Suíça e Irlanda. Outros emergentes, como Argentina, México, Chile e Turquia – para citar só uns poucos exemplos – têm cargas tributárias bem menores que a brasileira e melhores padrões de educação e saúde.
O ministro pode ter alguma razão quando se refere às condições financeiras do governo federal. De fato, a tributação brasileira é dividida entre União, Estados e municípios. Mas esse fato não torna menor para o contribuinte o peso dos impostos e contribuições. Ele paga e espera resultados, quando tem alguma consciência de seus direitos. Governadores apoiam a recriação da CPMF porque esperam participar do bolo. Mas já dispõem de receitas próprias, nada desprezíveis, e ainda recebem da União transferências constitucionais e aportes voluntários. Em quantos Estados e municípios o dinheiro público é usado com decência e competência?
Representantes do governo federal podem alegar também a rigidez orçamentária. Também isso é verdade. O Orçamento da União é rígido, tanto pelas vinculações quanto pela grande parcela de gastos quase incomprimíveis, como os de pessoal. Mas não há como negar o empreguismo, nem os excessos na concessão de vantagens salariais. Aumentos bem acima da inflação foram concedidos durante anos.
A rigidez do Orçamento é consequência de decisões políticas tomadas pelos constituintes, pelos parlamentares e também, seguidamente, pelo pessoal do Executivo. Além disso, o Tesouro tem sido sangrado para subsidiar empresas selecionadas com base em critérios duvidosos.
Como é difícil administrar o Orçamento e conter o desperdício – e é preciso incluir nessa conta os favores, subsídios injustificados e investimentos de interesse paroquial -, a saída mais fácil para o governo é aumentar a tributação. Pior que isso: os políticos ainda propõem aumentar a vinculação de verbas, uma irracionalidade. Verbas vinculadas são no máximo garantias de realização de despesas, não de uso produtivo e socialmente vantajoso do dinheiro público. São até um estímulo à ineficiência. Mas quem se preocupa com isso, quando o presidente da República descreve como “sucesso total e absoluto” o espetáculo de escândalos e de inépcia do Enem?
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