Cresce a probabilidade de anúncio de racionamento de energia a partir de junho. Por definição, trata-se de um choque de oferta negativo, pela restrição no suprimento de importante insumo do setor produtivo. Isso, em princípio, requer a devida reação da política monetária para corrigir o quadro de excesso de demanda em relação à oferta mais restrita, para se evitar as consequências inflacionárias.
É importante, no entanto, fazer algumas considerações.
Primeiro, não se trata de virar a chave do modo “sem racionamento” para “com racionamento”, e a partir daí se caracterizar um choque de oferta. Na realidade, a elevação expressiva de tarifas de energia e as interrupções não programadas do fornecimento de energia já vêm impactando a oferta agregada.
Empresas enfrentam custos mais elevados, adotam planos de contingência para lidar com a insegurança energética, alteram decisões de produção (principalmente no caso de setores eletro-intensivos) e adiam planos de investimento produtivo. A crise hídrica/energética já vem afetando a economia desde 2014, e continuará afetando 2015, mesmo que não seja anunciado o racionamento. Custos elevados e insegurança no fornecimento de energia continuarão impactando as decisões de produção e investimento das empresas, mesmo sem racionamento.
[su_quote]O racionamento seria a saída coordenada que poderia preservar o setor produtivo de um mal maior[/su_quote]
Segundo, o desenho do racionamento importa. O Brasil já viveu experiência de racionamento em 2001, com corte praticamente horizontal do consumo entre as categorias de consumidores: residencial, comercial, indústria e outros. Desde então, a indústria se adaptou e hoje exibe avanço nos índices de eficiência energética. Consumidores residenciais e comércio, por outro lado, vêm puxando o consumo de energia, em função do uso mais disseminado de ar-condicionado e aquisição de bens de consumo duráveis elétricos. Se em 2000, a soma de ambos respondia por 43% do consumo, agora esta cifra está em 47%, enquanto a indústria reduziu de 43% para 38%, segundo dados da Eletrobras.
Ou seja, a capacidade de contribuição da indústria ao racionamento é menor hoje, e isso certamente será levado em consideração no plano de racionamento. As metas serão, provavelmente, mais ambiciosas para segmentos mais associados às condições de demanda (consumo) do que às de oferta (produção).
Terceiro, transparência e diálogo com a sociedade são ingredientes que poderão contribuir para um rápido ajuste do consumo das residências, como o ocorrido em 2001. Vale transcrever trecho da Ata do Copom de julho de 2001, quando o BC preparou o terreno para interromper o ciclo de alta de juros no mês seguinte:
“Há sinais de que o efeito negativo do racionamento de energia sobre a oferta da economia poderá ser menor do que a esperado. Neste sentido, observa-se que a desaceleração no ritmo de crescimento nos últimos meses não tem sido liderada pela queda da oferta, mas sim pela da demanda, dado o efeito dos diversos choques sobre as expectativas dos consumidores”.
Naquele ano, a demanda agregada ajustou-se rapidamente às condições mais restritivas de oferta, e o BC interrompeu a alta da Selic que havia se iniciado em janeiro, por conta de pressões cambiais, enquanto o racionamento durou entre junho de 2001 e fevereiro de 2002.
Quarto, decretar o racionamento tende a ser uma solução superior a postergá-lo. A insegurança energética se reduz e, ao longo do tempo, abre-se espaço para redução do preço de energia no futuro. A maior previsibilidade no horizonte pode contribuir para preservar o setor produtivo, o que significa um choque de oferta menos severo.
Enfim, o racionamento seria a saída coordenada que poderia preservar o setor produtivo de um mal maior, que é a insegurança energética. Assim, o racionamento poderá ser melhor para o desempenho da oferta do que a estratégia de “empurrar com a barriga”.
Fonte: Broadcast, 27/2/2015
No Comment! Be the first one.