As fracas chuvas de janeiro e projeções meteorológicas pouco animadoras para os próximos meses fizeram com que o risco de racionamento de energia elétrica subisse de 20% para mais de 50% desde dezembro.
Diante do agravamento do cenário, o próprio governo já emitiu sinais de preocupação. Para o governo, a solução, por enquanto, passaria pela adoção de medidas capazes de racionalizar o uso de energia, reduzindo seu consumo de forma suficiente para tornar desnecessária a instituição de um racionamento.
Entre as prováveis medidas a serem editadas, podemos citar campanhas educativas; uso de geradores pelo comércio durante o horário de pico; e menor produção da indústria, que lhe permitiria vender a energia poupada no mercado spot.
O que devemos fazer? Racionar ou racionalizar rápida e fortemente o uso da energia? Para entender os prós e contras de cada opção, é importante definir os conceitos com clareza. Racionalização centra-se no convencimento dos usuários.
[su_quote]Diante do agravamento contínuo da situação do setor elétrico nos últimos meses, não se trata de maximizar ganhos, e sim de minimizar perdas[/su_quote]
Esse convencimento, por sua vez, vem com campanhas educativas e, principalmente, incentivos financeiros, como o aumento generalizado de tarifas, bônus para quem economizar mais ou multas para quem não reduzir o consumo. Não há, entretanto, a estipulação de metas individuais e, consequentemente, punição.
Já no racionamento há metas individuais de redução de consumo e medidas coercitivas, de forma tal que, se o consumidor não atingir as metas, está sujeito a penalidades e até mesmo ao corte de energia.
Outra diferença fundamental entre os dois procedimentos é de caráter institucional: o racionamento é definido por um instrumento legal, determinando metas e prazos.
Adicionalmente, os contratos de concessão permitem revisão das obrigações em caso de racionamento, mas não há as mesmas garantias em caso de racionalização. Como veremos a seguir, essa diferença traz importantes implicações para a saúde financeira do setor elétrico.
Com racionamento ou racionalização, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) deverá obrigar as geradoras hidrelétricas a gerar menos energia com o objetivo de poupar água e, assim, restabelecer um nível seguro para os reservatórios.
Mas as geradoras firmaram contratos se obrigando a vender determinado volume de energia. Se a produção for inferior ao volume contratado, a diferença tem de ser comprada no mercado à vista, pagando-se o chamado Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), que é cerca de quatro vezes maior do que o preço pelo qual a geradora vende sua energia.
Atualmente, o setor já projeta uma diferença (ou um déficit de geração) de 8% a 9% para 2015, a um custo de R$ 11 bilhões. Se o ONS determinar redução de 20% na geração, esse déficit subiria para mais de R$ 30 bilhões.
Contudo, o prejuízo pode ser atenuado se for decretado o racionamento e permitida a revisão dos contratos, com as usinas comprometendo-se a vender menor volume de energia.
As distribuidoras, por sua vez, fixaram suas tarifas nas licitações com base em uma demanda projetada, de forma tal que a receita arrecadada dos consumidores fosse suficiente para adquirir a energia, pagar impostos e manter a rede de distribuição.
Com racionalização ou racionamento, a arrecadação cai, mas os custos de distribuição (em grande parte, fixos) não caem na mesma proporção, levando a prejuízos.
No racionamento, contudo, é possível solicitar reajuste tarifário para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, revertendo as perdas.
Deve-se ressaltar que nada garante que a racionalização seja eficaz. Ou seja, não há como assegurar, a priori, que os incentivos concedidos sejam suficientes para que a demanda se reduza na direção do ambicioso patamar desejado.
Nesse caso, o nível dos reservatórios continuará a cair, podendo atingir o nível crítico, inferior a 10%, pondo o sistema em risco de colapso.
Nesse ponto, não há como impedir que se tome a decisão de desligar as máquinas nessa ou naquela região. Ou seja, a hipótese de racionar de uma forma razoavelmente organizada deixa de existir.
Em 2001, as empresas do setor elétrico entraram no racionamento saudáveis e saíram fragilizadas. Atualmente, elas já se encontram fragilizadas, com problemas de caixa etc.
Em alguns casos, com alto grau de endividamento e, em outros, com créditos contra o Tesouro de recebimento incerto. Adotar somente a racionalização pode deteriorar ainda mais a saúde financeira do setor, sob o risco de inviabilizá-lo.
Ou seja, diante do agravamento contínuo da situação do setor elétrico nos últimos meses, não se trata de maximizar ganhos, e sim de minimizar perdas. Dito de outra forma, o racionamento acabará se tornando inevitável.
Fonte: O Globo, 9/2/2015
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