O governo afirma que não há problema de falta de energia, mas apenas um encarecimento da energia por conta da crise hídrica. Críticos, por outro lado, apontam a insegurança no fornecimento e o risco de apagões. O fato é que preços elevados e fornecimento intermitente é veneno para o setor produtivo, eventualmente mais letal que um eventual racionamento, desde que bem organizado e eficiente.
Interrupções inesperadas no fornecimento de energia, mesmo que transitórias, geram custos e perdas significativas no setor produtivo, da linha de produção da indústria à produção intensiva de proteína animal que depende de refrigeração, passando pelo setor de serviços.
Aparentemente, além de torcer por chuvas, a esperança do governo é que o chamado realismo tarifário, que deverá produzir alta de até 40% na tarifa de energia elétrica, acabe gerando o ajuste necessário da demanda às condições mais restritivas de oferta.
Ocorre que o ajuste de tarifas apenas, ainda que importante, provavelmente não será suficiente para equilibrar o balanço entre oferta e demanda do setor tempestivamente, a ponto de gerar a folga necessária para a segurança operacional do sistema. A elasticidade-preço da demanda de energia é baixa e caiu nos últimos anos, segundo nossos modelos econométricos.
Em 2001, o racionamento implicou mudança importante no comportamento dos consumidores, pois combinou-se elevação de tarifa com penalidade aos consumidores que não atingiam metas. Nas residências, houve esforço para adquirir equipamentos mais eficientes no consumo de energia e utilização de lâmpadas fluorescentes e freezers foram desligados. Essa mudança comportamental perdurou mesmo após passada a política do racionamento.
[su_quote]Com riscos e custos elevados, o racionamento, desde que bem organizado e eficiente, pode ser melhor do que a alternativa, apagões e fornecimento intermitente[/su_quote]
Nos últimos anos, no entanto, esse quadro se inverteu. Com o aumento da renda e do consumo de bens duráveis, como o ar condicionado, mais presente nos lares e estabelecimentos comerciais, a elasticidade-preço caiu. Ou seja, aumentos de tarifa terão capacidade ainda menor de reduzir o consumo de energia em comparação ao passado.
Com riscos e custos elevados, o racionamento, desde que bem organizado e eficiente, pode ser melhor do que a alternativa, apagões e fornecimento intermitente. Um plano de contenção bem organizado, que se antecipe a quadros mais dramáticos, pode evitar metas expressivas de corte de consumo. E um plano eficiente, que leve os consumidores a se ajustarem rapidamente, contribuiria para reduzir o impacto sobre o setor produtivo. Clareza, diálogo e transparência são ingredientes essenciais para isso.
Mudanças de hábitos tendem a ser lentas se não provocadas. E do lado do setor produtivo, é muito difícil um empresário tomar decisão de reduzir voluntariamente o consumo de energia, ajustando sua produção ou, no caso do comércio, desligando o ar condicionado, por exemplo, correndo o risco de perder market share e clientela. Esse quadro demanda uma ação coordenada, proporcionada pelo racionamento, levando a um esforço conjunto de redução do consumo, de forma tempestiva.
Certamente há custos. Em 2001, o racionamento provocou queda de mais de 20% no consumo de energia e penalizou o crescimento econômico. Estimamos impacto negativo de 0,9p.p. no PIB naquele ano, cujo crescimento foi de 1,3%.
É este quadro que o governo quer evitar, principalmente em um contexto tão desafiador como o de agora. No entanto, talvez essa não seja a decisão mais sábia. À luz das restrições do lado da oferta e do crescimento da demanda, que traz riscos elevados de interrupção de oferta de energia, o racionamento talvez seja o menor dos males. Esse balanço precisa ser feito pelo governo.
O país já viveu uma experiência de racionamento, que foi bem sucedida, com metas claras e transparência que produziram rápido ajuste da demanda de energia, evitando-se a interrupção da oferta de energia. Hoje o susto do setor produtivo seria menor. Uma saída organizada parece ser melhor solução do que apostar na sorte. Se o governo se antecipar a quadros mais dramáticos, o corte poderia ser menor do que na experiência de 2001.
No curto prazo, o racionamento traria um alívio financeiro para o setor. Haveria redução de compras de energia pelos geradores que não conseguem entregar a quantidade contratada. Os preços desse mercado seguem elevados, apesar dos novos limites do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), estabelecidos pela Aneel. O baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas força o aumento de oferta de energia pelas usinas térmicas, cujo custo de operação é elevado, pressionando o PLD.
No longo prazo, conforme o racionamento promova a recuperação dos reservatórios, o uso das térmicas seria menos intensivo, gerando queda do PLD e dos preços no mercado livre. O movimento seria lento, ainda assim mais rápido do que na ausência de um racionamento.
Ainda que haja custos óbvios de curto prazo, um racionamento bem organizado e eficiente poderia ser uma solução superior ao cenário alternativo de insegurança de suprimento. Transparência e diálogo com a sociedade, elementos presentes em 2001, são essenciais para reduzir o custo sobre a economia e restabelecer a confiança dos agentes econômicos, com repercussões positivas nas decisões de investimento.
Os preços de ativos tendem a sentir o impacto de um anúncio de racionamento. Mas o ajuste pode ser moderado se o plano for bem conduzido. Os mercados tendem, ao longo do tempo, a premiar países que assumem seus problemas e buscam soluções racionais.
Fonte: Broadcast, 22/01/2015
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