O Podcast Rio Bravo conversou com Rafael Cagnin, economista do IEDI. Em pauta, a discussão sobre o desempenho da indústria no Brasil, que têm apresentado certa dificuldade no contexto da retomada da economia brasileira. Nesse sentido, o trabalho que vem sendo realizado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial tem identificado quais são os pontos mais frágeis desse cenário. Na avaliação de Rafael Cagnin, economista do IEDI, não faltam fatores para explicar a demora na recuperação do bom desempenho da indústria. “No front público, é difícil ver uma recomposição nesse momento; já pelo lado privado, as obras de infraestrutura e de construção pesada continuam bloqueadas”. Em contrapartida, ao comentar um dos pilares da recuperação, Rafael Cagnin fala das exportações, com ênfase para o setor automobilístico. “Goste-se ou não da indústria automobilística, ainda é um setor que congrega insumos de diferentes naturezas”.
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Rio Bravo – Antes da gente entrar na discussão sobre indústria, conta para a gente um pouco sobre a estratégia do IEDI para avaliar o desempenho da indústria.
Rafael Cagnin – O IEDI é um instituto de pesquisa aplicada, ou seja, mantido pelas principais empresas industriais do Brasil. E o nosso trabalho é um pouco de acompanhar a evolução conjuntural, seja da economia como um todo com um olhar específico para a indústria, mas também desenvolver trabalhos e estudos de um caráter um pouco mais estrutural que permitam ter uma avaliação sobre qual é o desempenho no longo prazo do setor industrial no Brasil, especificamente. É uma agenda de trabalho, do ponto de vista técnico, de pesquisa voltado ou para o acompanhamento conjuntural ou para uma análise mais estrutural, mais de longo prazo. Agora, o IEDI também uma instituição representativa dos empresários, dos conselheiros do IEDI que mantêm o instituto. Também há uma interação com os empresários e uma forma de eles expressarem as suas expectativas e suas prioridades para uma estratégia de desenvolvimento do país. A gente trabalha, basicamente, com pesquisa oficial. Ou seja, a gente não tem, diferentemente de outras instituições representativas, um levantamento de faturamento ou de preço, de venda dos seus associados, inclusive porque o IEDI congrega empresas de diferentes setores industriais, então a gente basicamente acompanha os indicadores oficiais econômicos e industriais, especificamente.
Rio Bravo – Pensando agora nessa conjuntura 2018, primeiro semestre, quais fatores impedem a recuperação mais robusta do setor industrial?
Rafael Cagnin – Acho que o que não falta ultimamente são fatores que impedem esse desempenho mais consistente, mais robusto. Eu destacaria dois principais. Acho que talvez o mais importante é… A gente tem uma dificuldade, a gente não tem um pouco por onde ver o componente importante do crescimento, que é investimento. Tradicionalmente, o investimento público seria capaz de dar um pouco mais de dinamismo, ou seja, tem um caráter anticíclico um pouco mais evidente, mas a condição presente das finanças públicas impede que esse comportamento que se espera do investimento público seja efetivamente verificado. Pelo contrário, a redução do investimento público é um dos principais instrumentos do ajustamento das finanças do Estado, então nesse front é difícil ver uma recomposição. Pelo lado privado, as obras de infraestrutura e de construção pesada também continuam bloqueadas. Os grandes players do setor e do segmento continuam com situação bastante complexa, seja na esfera jurídica, seja na própria gestão das empresas. E do ponto de vista industrial, o investimento industrial ainda tem pouco espaço para ser realmente reativado frente à ociosidade de capacidade que ainda existe e um cenário de incerteza bastante elevado, eu diria, e talvez relativamente pouco levado em consideração, vindo principalmente da esfera política. Nesse ambiente de relativa incerteza, de capacidade ociosa ainda elevada em muitos setores, principalmente na indústria, o que vai bloquear o investimento privado, problemas na construção pesada e um setor público com pequeno espaço de recompor investimento… Esse elemento que seria bastante dinamizador para dar robustez para a recuperação não deve vir tão cedo. Também não ajuda muito esse aspecto de ainda ter taxa de juro dos empréstimos em patamares relativamente elevados a despeito da expressiva redução da taxa básica dos últimos meses.
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Rio Bravo – O quanto a instabilidade do cenário eleitoral acirra os ânimos e, portanto, enfraquece essa capacidade de retomada do bom desempenho do setor industrial?
Rafael Cagnin – Eu acho que não há investimento enquanto tiver um cenário relativamente confuso vindo da esfera política. E aqui eu estou dizendo realmente os grandes projetos de investimento, aquele realmente com capacidade de redinamizar de forma mais substancial. O que a gente tem visto hoje é uma reativação de alguns projetos de investimento, um desengavetamento de projetos relativamente pequenos, voltados para modernização, voltados para a própria preservação da competitividade das empresas. São aqueles projetos que você não precisa efetivamente recorrer a financiamentos que têm um grande comprometimento de longo prazo.
Rio Bravo – Nem necessariamente ativar a contratação de mais mão de obra, por exemplo.
Rafael Cagnin – Exatamente. O emprego da indústria deu alguns sinais de reativação, de recomposição, depois das perdas que teve ao longo da crise, mas ainda é um começo de processo. Ou seja, assim como o emprego foi uma das últimas variáveis a realmente explicitar a crise, deve ser uma das últimas a explicitar a recuperação. É um caminho gradual, lento, que também está cheio de fragilidades.
Rio Bravo – Tratando especificamente dessa análise, o que esses números dizem a respeito das previsões que tinham sido feitas no início desse ano e no final do ano passado? Na sua avaliação, foi preciso readequar essa projeção?
Rafael Cagnin – Eu acho que sim. Eu acredito que o exercício de fazer projeções em um ano como 2018 é relativamente complexo, principalmente devido a esses fatores de incerteza da esfera política, que eu acho que nem sempre estão adequadamente contemplados nos cenários que eu tenho visto por aí. E um processo eleitoral pode vir muito bem acompanhado de volatilidade e variáveis importantes, como prêmio de risco, taxa de câmbio, que podem realmente jogar areia numa recuperação que ainda é bastante lenta. Eu acho que esse primeiro trimestre com um desempenho aquém do esperado deve sim impactar as expectativas de crescimento ao longo do ano, especialmente, como eu havia dito, se o processo eleitoral vier acompanhado dessa volatilidade maior de indicadores ou de variáveis econômicas.
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Rio Bravo – O quanto, por exemplo, e aí eu estou pensando numa contrapartida, a venda de televisores tem, de certa forma, servido como um alento nesse cenário econômico bastante instável para a indústria?
Rafael Cagnin – Você pensa num ano de Copa, é isso?
Rio Bravo – Pensando especificamente num ano de Copa do Mundo.
Rafael Cagnin – Ano de Copa, conclusão da migração para o padrão digital de televisores… Acho que é um dos componentes. As bases são muito baixas de comparação. Eletroeletrônicos, bens de consumo duráveis de forma geral, mais ampla, assim como bens de capital, como foram os segmentos da indústria que mais caíram ao longo da crise, eles contribuem para ter variações um pouco mais expressivas, porque a base de comparação é muito baixa. Desde o ano passado a gente já vê eletroeletrônicos despontando. Realmente foi um dos setores de um crescimento um pouco mais robusto. Em parte sim por isso, mas não só. O crédito e as famílias realmente retomaram um pouco em termos reais. Por mais que seja muito marginal, a redução do custo do financiamento também tem ocorrido. E você tem uma demanda reprimida dos últimos três anos de crise. Tem ciclos de obsolescência programados em eletroeletrônicos, imagem e som, que forçam, contribuem para a reativação desse tipo de consumo. É um dos elementos que explicam a reativação de bens de consumo duráveis em 2017 e 2018, mas eu não acho que é dali que virá a salvação da pátria.
Rio Bravo – E qual tem sido o papel, então, das exportações neste momento para a indústria?
Rafael Cagnin – É um dos pilares dessa recuperação. Afeta, principalmente, a cadeia automobilística, que é o ramo industrial que mais tem lançado mão da ampliação das exportações para compensar um pouco a capacidade ociosa doméstica. Tem outros setores industriais que tradicionalmente são exportadores, então continuam exportando e até conseguiram ampliar. A indústria de alimentos, papel e celulose… Enfim, a gente tem ramos industriais bastante integrados no comércio internacional, mas a virada no período pré-crise e pós-crise realmente vem do setor automobilístico, que é capaz também de puxar, do ponto de vista da produção, outros ramos industriais, porque, goste-se ou não da indústria automobilística e do modal de transporte rodoviário e automobilístico tradicional, ainda é um setor que congrega insumos de diferentes naturezas. Um dinamismo um pouco melhor da indústria automobilística puxa, por exemplo, produtos de metal, metalurgia, indústria de tecidos por causa dos estofamentos, em parte também eletroeletrônicos devido aos embarcados, então tem um poder de ramificação não desprezível para o tecido industrial como um todo. Então, o aumento das exportações é um elemento importante nessa etapa, embora lenta, de recuperação do setor industrial. O problema daqui para frente é que o principal mercado importador de automóveis do Brasil é a Argentina, que a gente vê que retoma padrões latino-americanos de problemas, com restrições externas e problemas de balança de pagamentos. Isso eu acho que pode ser mais um elemento de risco para esse cenário, que se esperava no ano passado que 2018 fosse ser um ano de ganho de consistência e de robustez no processo de recuperação da economia como um todo e do industrial em específico.
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Rio Bravo – E, nesse sentindo, a instabilidade do câmbio pode afetar ainda mais esse processo de retomada?
Rafael Cagnin- Pode. A instabilidade cambial é sempre um problema. Um problema do ponto de vista patrimonial para as empresas, ainda que as alavancagens dos últimos anos tenham sido importantes. Forte volatilidade e movimentos de desvalorização muito abruptos implicam para aquelas que têm endividamento passivo externo uma deterioração do balanço, implicam gastos adicionais e, consequentemente, seguram todos os investimentos que deveriam fazer, que poderiam fazer, nesse cenário conturbado. Volatilidade cambial também dificulta o cálculo do exportador. A gente sabe que, principalmente para produtos manufaturados, conquistar mercado externo não é trivial. Existe uma heterogeneidade dos produtos, existe um conjunto de serviços conexos à venda de um produto manufaturado. Evidentemente, há uma gradação. Para alguns isso é mais verdade que para outros, mas o ponto é que a conquista de market share do mercado internacional de produtos manufaturados é uma tarefa que envolve esforço. Envolve esforço da empresa, estratégias muitas vezes bastante arrojadas, que implicam comprometimento de imagem, da rentabilidade dessas operações, então quando você tem uma volatilidade cambial muito forte você obriga as empresas a serem mais cautelosas nesse ponto de vista. Ou seja, esse esforço e esse movimento mais agressivo de conquista de mercado externo é arrefecido porque você não sabe exatamente qual vai ser o preço que você vai receber no final, no embarque desses produtos. Sempre é possível fazer headge, sempre é possível aplacar um pouco esses efeitos, só que tudo isso tem custo. Então, seja um custo decorrente dessa volatilidade, da incerteza em relação a essa volatilidade, seja um custo já efetivo de proteção frente a essa volatilidade, ambos deterioram as condições das empresas se projetarem de forma mais arrojada no mercado externo. Então, ainda que a desvalorização cambial possa ser vista como um elemento de ampliação de competitividade do produto nacional lá fora, se ela vier acompanhada de muita volatilidade isso dificulta o processo. Por isso seria importante mudanças de patamares e não volatilidades muito acirradas.
Rio Bravo – Falando em mudança de patamar, para a gente encerrar, como é que você percebe a agenda dos candidatos para a eleição de 2018 em termos da indústria? Como é que você avalia essa concepção dessas candidaturas que têm se apresentado?
Rafael Cagnin – As candidaturas ainda precisam ser consolidadas de fato. Eu acho que ainda está para ver efetivamente quais são os detalhes dessas agendas políticas dos possíveis candidatos à Presidência, então ainda é um momento para se aguardar a definição mais clara das agendas e dos próprios candidatos, até porque nem todos os nomes realmente já foram confirmados.
Fonte: “Rio Bravo Investimentos”