Raúl Prebisch (1901-1986) foi o decano dos economistas argentinos, como Eugênio Gudin (1886-1986) foi o dos brasileiros, com a diferença de que este último – mestre de Roberto Campos – sempre foi um resoluto liberal, ao passo que o primeiro oscilou entre a heterodoxia e ortodoxia econômicas.
Prebisch contou que quando ele entrou para a Faculdade de Economia de Buenos Aires, lá pela década de 20, ficou muito decepcionado. E a causa de sua decepção foi que seus professores só usavam textos em inglês.
Talvez por isso ele tivesse ficado a maior parte do tempo na biblioteca da faculdade lendo autores que não escreviam em inglês: Marx, Lenin e Trotsky…
Sua decepção era difícil de entender, pois na época o estudo da Economia em todo o continente estava engatinhando, enquanto na Inglaterra a Economia já era estudada antes mesmo de Adam Smith (1723-1790), o pai da Economia moderna e patrono dos economistas liberais.
Na realidade, na organização dos campos de estudos universitários no século XVIII, não havia nada com o nome de Física assim como nada com o nome de Economia. Se o que entendemos hoje por Física era uma parte integrante da Filosofia da Natureza – haja vista o título da obra de Newton: “Principia Mathematica Philosophia Naturalis” (Princípios Matemáticos da Filosofia da Natureza) – o que hoje entendemos por Economia era parte integrante das Ciências Morais e Políticas.
Professor dessa última disciplina na Universidade de Glasgow, não é de surpreender que Adam Smith tivesse nos legado duas grandes obras: “Uma Investigação sobre a Natureza” e “As causas da riqueza das nações” e “Teoria dos sentimentos morais”.
Malgrado Prebisch não tivesse razões para sua decepção, tinha lá seus motivos, como revela o artigo da “Folha de São Paulo”, com um título capcioso: “A ousadia de Prebisch rompeu a ortodoxia da América do Sul” (22/7/2011): “Era início do século XX e a elite argentina parecia se contentar em fornecer carne aos ingleses de quem comprava manufaturas. A escola refletia essa dependência”, disse Prebisch.
Ora, a Argentina na época era o maior produtor de carne bovina do mundo e o Reino Unido na época o maior produtor de produtos industrializados. Não causa nenhuma espécie que cada qual vendesse o excedente do que produzia e comprasse o que não produzia ou pouco produzia, porém estivesse necessitando.
Se havia uma dependência econômica, tratava-se de uma dependência mútua, não unilateral como pensava Prebisch. Na vida econômica internacional, é muito difícil, se não impossível, encontrar uma nação que independa totalmente do comércio com as outras.
Até os Estados Unidos e o Japão, duas nações das mais ricas do mundo dependem de um produto básico: o petróleo. O primeiro, porque sua produção não satisfaz sua grande demanda, o segundo simplesmente porque não o tem seu território, mas, apesar disto, tornou-se um país rico sempre importando petróleo e exportando alguns produtos industriais, principalmente máquinas.
Os países árabes, por sua vez, são os maiores exportadores de petróleo cuja compra dependem Estados Unidos e Japão, e cuja venda dependem os árabes, para poder comprar comida, entre outras commodities. Por exemplo: frangos de um grande exportador: o Brasil.
Se há nisto algum problema, este emergerá quando o petróleo acabar e os países árabes ficarem sem sua fonte de energia não-renovável e, consequentemente, de pires na mão. Tal como a Cuba de antes e de depois de Fulgencio Batista: país semiagrário produzindo açúcar, rum e charutos, coisa que nada mudou com la Revolución de El Coma Andante y sus barbudos e a ajuda econômica da finada URSS.
Se sempre houve uma dependência mútua entre as nações, esta se tornou mais forte nestes tempos da globalização em que o pregão da Bolsa de Tóquio que, por meras razões geográficas abre primeiro, influencia fortemente as oscilações nas de Frankfurt, Londres e Nova Iorque. Nenhum país fabrica todos os componentes de um computador que monta com peças vindas de outros países.
Mas parece que foi a partir de sua decepção na universidade que Prebisch foi o precursor de uma das pérolas da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL): a teoria da dependência dos países periféricos em relação ao capitalismo central, entenda-se: o capitalismo americano: o vilão preferido das esquerdas ressentidas latino-americanas com a prosperidade de Tio Sam em forte contraste com a sua pobreza. Cito o velho e surrado refrão: “Nós somos pobres, logo: eles são os culpados”.
O então jovem FHC escreveu um famoso livro sobre o assunto e, mais tarde, quando já era Presidente do Brasil o renegou dizendo: “Esqueçam tudo que eu escrevi”. Apesar de Fernando Henrique ter tido a honestidade intelectual de confessar um pecado de juventude, de ter se mostrado arrependido e pedido que todos esquecessem do mesmo, não foi atendido pelos esquerdistas mais retrógrados, que continuam sustentando a mencionada teoria, juntamente com a “Bíblia” dos idiotas latino-americanos: “As Veias Abertas da América Latina” do uruguaio Eduardo Galeano (1940 – ainda respirando em 2011) [vide a este respeito a mais penetrante obra crítica sobre a mentalidade latino-americana: “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”, de P.A.Mendoza, C.A. Montaner e A. Vargas Llosa. Bertrand do Brasil, 2010].
Prebisch sustentava que a industrialização era necessária para o desenvolvimento da América Latina. E nisto ele estava certo. A Revolução Industrial, que teve seu início na Inglaterra, se alastrou pela Europa e finalmente pelas Américas, produziu um grau de desenvolvimento socioeconômico nunca antes experimentado em toda a história.
Mas na década de 30, enquanto a ditadura de Vargas – malgrado todos os seus percalços – produziu a grande industrialização do Brasil, a ditadura de Perón – embora possa não ter sido a causadora – representou o início da desendustrialização da Argentina.
Antes da década de 30, a Argentina era considerado um dos países mais promissores do mundo: grande produtor de carne e de trigo, com bons lençóis petrolíferos, com alto nível educacional e uma pequena, porém crescente industrialização, ao passo que o Brasil era um país agrário com a monocultura do café e com a maioria da população analfabeta vivendo no campo. Era o Brasil do Jeca-Tatu, personagem emblemática de Monteiro Lobato…
A década de 30 foi, ao mesmo tempo, o início da ascensão do Brasil e da decadência da Argentina. Isto explica em parte o antibrasileirismo de alguns argentinos. Como já observara Aristóteles, em sua “Arte Poética”, o que é realmente trágico não é um indivíduo ser pobre por toda sua vida, mas sim ter sido rico e caído na pobreza. Tais como os indivíduos as nações.
Não sei dizer se Prebisch entendia por desenvolvimento o que mais tarde entendeu a CEPAL e sua teoria de que a inflação, não importando sua alta e crescente taxa, era necessária para o desenvolvimento – teoria esta adotada pelo Instituto Social de Estudos Brasileiros (ISEB) fundado em 1955.
Como se sabe, o ISEB foi o gerador do assim chamado “desenvolvimentismo” adotado por JK com seu famoso slogan: 50 anos em 5. E de fato, JK conseguiu gastar em cinco anos o que deveria ter sido gasto em cinquenta. E é em seu governo que podem ser localizadas as sementes das flores do mal da hiperinflação que desabrochou no governo Sarney. E que só acabou com o Plano Real, inestimável contribuição da equipe econômica do Ministro da Fazenda do governo Itamar: FHC.
Juntamente com o desenvolvimentismo inflacionário, JK adotou uma ideia do Estado Novo de Vargas sustentada por Prebisch e pela CEPAL: o desenvolvimento não devia ser promovido pela iniciativa privada, como fora na Revolução Industrial inglesa e posteriormente nos Estados Unidos, mas sim capitaneado pelo Estado.
Não sei dizer se foi de Prebisch ou da CEPAL, mas sei que se não é de um é de outro: a malfadada ideia de substituição de importados por similares nacionais – ideia esta que, entre outras coisas, levou à criação da Secretaria Especial de Informática (SEI) no governo Figueiredo.
Por sua vez, isso nos obrigou a comprar computadores nacionais de qualidade inferior com preços mais elevados, um absurdo protecionismo da indústria nacional, quando quem devia ser protegido era o consumidor, não uma meia dúzia de empresas nacionais. Quem tem pátria é o cidadão, consumidor tem bolso.
Nos inícios da Grande Depressão e com a revolução argentina de 6 de dezembro de 1930, Prebisch foi nomeado subsecretário do Ministério da Fazenda. Dentre as medidas sugeridas por ele, destacam-se a criação do imposto de renda progressivo – marca registrada das sociais democracias hoje em franca decadência na Comunidade Européia – e rígido controle do câmbio, por vezes adotado no Brasil com resultados desastrosos, tão nefastos para atividade econômica que nem os obscurantistas governos do PT querem mais ouvir falar dele.
Por suas medidas fortemente intervencionistas e protecionistas, Prebisch acabou recebendo o epíteto de “Keynes latino-americano”. Mas criou outras coisas controversas, como o Banco Central da Argentina, ao que parece o primeiro da América Latina. De modo certo ou errado, Prebisch parece ter sido um defensor da meritocracia e estimulador de uma elite do funcionalismo do mais alto nível. Tinha ao menos uma grande virtude: detestava o terceiromundismo, apesar de ferrenho nacionalista e protecionista.
Quando Prebisch era presidente da CEPAL teve um arranca-rabo com Celso Furtado, criador da nefasta SUDENE – extinta por FHC, mas ressuscitada por Lulla – nosso economista desenvolvimentista presidente do BNDE (o S foi acrescentado depois) no governo de JK, envolvendo o problema da dívida externa dos países sul-americanos.
Após Prebisch ter feito duras críticas ao FMI – como costumam fazer até hoje todos os ministros da Fazenda e governantes que querem dinheiro para pagar suas dívidas, mas não querem cortar gastos, como exige o Fundo Monetário Internacional – ele aceitou um regime extremamente austero, imposto como condição sine qua non por essa instituição internacional de empréstimos.
Celso Furtado, nunca entendeu essa mudança de posição de Prebisch, mas ela é muito fácil de entender: Quando a zona de turbulência é muito forte e prolongada, de tal modo que a queda do avião parece inevitável, até o ateu mais radical, contrito e cabisbaixo, balbucia um Pai Nosso…
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