É difícil entender por que o foco da ação governamental não se volta para os combalidos investimentos em infraestrutura, especialmente onde a atratividade para o capital privado for naturalmente baixa. E, dado que os gargalos são imensos, em vez de ser discriminado pelos governos, o privado deveria ser sempre estimulado a entrar.
As concessões de rodovias tiveram grande ímpeto na era FHC, mas, logo em seguida, voltaram a evoluir a passo de cágado. Sem espaço para tratar de todos os lados aqui, concentrar-me-ei na parcela pública, onde uma rápida garimpada em estudos disponíveis mostra que, dos anos 1970 até o ano passado, o investimento público total caiu — pasmem — de 10,6% para 1,8% do PIB.
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Uma consequência natural disso é a desabada do valor do estoque de ativos na infraestrutura de transportes. Segundo afirmou Paulo Resende, no Fórum Nacional de maio (leia sobre isso e sobre as concessões em inae.org.br), entre as 20 principais economias mundiais, a do Brasil é a que possui a infraestrutura mais deteriorada e com menor valor em relação à produção total da economia, alcançando hoje o estoque de 12,1% do PIB. Já a pequena recuperação apresentada entre 2012 e 2016 se deveu exatamente aos projetos de concessão, que, infelizmente, não têm progredido no ritmo desejável. Assinale-se que o estoque do capital em infraestrutura no Japão é de 65% do PIB, e na Índia, que é um país emergente como o Brasil (e supostamente mais atrasado), chega a 40% do PIB. Chocante.
Outra consequência óbvia é que nossos custos logísticos alcançam também os valores mais altos na comparação mundial, implicando gasto adicional brutal dos embarcadores com custos logísticos, que, somente entre 2015 e 2017, teriam alcançado cerca de R$ 15,5 bilhões. E os governos ficam lançando planos e mais planos sem ter dinheiro para isso e sem lembrar de que o estoque deteriorado muitas vezes precisa ser recuperado antes de começar o novo.
Vejo hoje que a Constituição de 1988 transferiu de mentirinha a competência de investir em infraestrutura para os estados, dando-lhes a base de incidência dos extintos “impostos únicos”, que passaria a ser tributada pelo antigo ICM. Só que: 1) do início dos anos 1990 para cá, a participação dos estados nas receitas totais disponíveis caiu cinco pontos percentuais, mantendo-se o quinhão da União e aumentando-se o dos municípios na mesma proporção da perda estadual. Isso resultou de várias mudanças ocorridas ao longo do tempo, além do mero ajuste dos coeficientes de distribuição do bolo tributário. 2) E, em consequência de outras mudanças constitucionais, a despesa corrente explodiu em todas as esferas, ficando o investimento com as migalhas.
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Sem dados mais antigos, note que o gasto com a previdência dos servidores públicos estaduais praticamente dobrou, em termos reais, em apenas 11 anos, de 2006 a 2017, enquanto o PIB crescia somente 23,5% acima da inflação. Ou seja, numa palavra, era como se, grosso modo, estivéssemos trocando infraestrutura por previdência pública, sendo a nossa uma das mais injustas do mundo.
Por isso mesmo é que venho defendendo o ajuste da previdência pública, claro, sem calote puro e simples em ninguém, mas mediante a instituição de fundos de pensão equacionados atuarialmente, a exemplo do que já se fez em empresas estatais de peso, como o Banco do Brasil, onde se criou a Previ, bem conhecido fundo de pensão dos seus funcionários (veja os textos sobre o assunto também em inae.org.br).
Nessa área, outro dado chocante é que o deficit financeiro da previdência pública estadual tenha alcançado a marca de R$ 86 bilhões em 2017, com um número praticamente idêntico prevalecendo na União, em si. Ou seja, tudo junto, algo entre R$ 170 e R$ 180 bilhões que o setor público tem de bancar.
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Se ficarmos só com o caso dos estados, já que a União tem ainda um longo caminho no esforço de ajuste do seu gigantesco deficit primário (excesso de gasto não-financeiro sobre receitas tributárias), podemos concluir que o simples equacionamento da previdência estadual permitirá, no limite, investir R$ 86 bilhões anuais na nossa combalida infraestrutura, setor cuja expansão, além do mais, viabiliza um maior crescimento da produtividade do País, em comparação com muitos dos demais segmentos da economia.
Concluo sem entender por que a gestão Temer/Meirelles se concentrou na mudança das regras previdenciárias do INSS, mexendo com direitos adquiridos difíceis de alterar, jogando o ajuste também sobre os mais pobres. É mais chocante ainda constatar que, se retirássemos da conta os efeitos da absurda recessão de 2015-17 na contribuição sobre a folha, o deficit do INSS, seria reestimado para R$ 74 bilhões anuais, ficando bem abaixo dos déficits dos regimes dos servidores públicos acima citados.
Fonte: “Correio Braziliense”, 26/06/2018