O governo Temer baseou sua precária política de combate ao explosivo deficit público na aprovação de duas emendas. Uma, aprovada a duras penas e hoje sob fortes críticas de presidenciáveis, fixava o teto de crescimento dos gastos na taxa de inflação do ano anterior. Vai acabar gorando, basicamente, pelo simples motivo de que o incontrolável gasto “obrigatório” quase esgota o orçamento, tendo se situado em 91% do gasto total em 2017.
Em seguida, a aprovação de mais uma reforma de regras previdenciárias daria sustentação a tal teto, mas esta morreu na reta final.
Em relação aos estados, cortou as autorizações de financiamentos, e, sem dizer que emitiria a moeda que fosse necessária para financiar seus próprios deficits, avisou que cada um se virasse como pudesse para pagar suas contas. Somente após muita pressão política, inclusive envolvendo o STF, algum alívio foi obtido pelos governadores via adiamento do pagamento de parte do serviço da dívida à União, e, mais recentemente, o Congresso aprovou um programa de recuperação fiscal que até agora só foi aproveitado pelo estado em maior dificuldade, o Rio de Janeiro.
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Ou seja, a gestão Meirelles forçou o governo a jogar todo o seu capital político numa medida inoperante e outra difícil de aprovar, mobilizou a opinião pública contra os governadores, que, entre outros erros, teriam feito corpo mole na tramitação da fracassada reforma de regras da Previdência no Congresso, e hoje se entrincheira na Esplanada, em defesa do natimorto teto. Na ordem do dia como alvo da artilharia fazendária, com apoio de segmentos da mídia, estão os reajustes de salários ao redor de 16% que acabam de ser anunciados a partir do STF, e a interpretação do TCU de que gastos com concursos financiados com receita própria obtida especificamente para esse fim não podem se sujeitar ao teto. E por aí vai.
Óbvio que interessa aos governadores a aprovação de uma reforma da Previdência, mas não a que o governo enviou e de que não quis abrir mão. Essa é focada nas regras do INSS, e, no curto prazo, praticamente não alivia em nada os estados. O impacto da recessão cavalar nas receitas estaduais foi tão grande, que praticamente todos estarão condenados a fechar os mandatos em 2018 com deficits elevados, independentemente de qualquer reforma de regras, sujeitos às duras punições das leis. Já na União, que emite moeda a rodo sem avisar a ninguém, qualquer deficit pode ser coberto sem problemas num primeiro momento. Já depois… será outra história e com outro governo. Na verdade, aos governadores interessa uma reorganização da previdência pública nas linhas em que venho sugerindo, pois essa tem efeitos bem mais rápidos. Por que, então, apoiariam a reforma do irredutível Meirelles?
Óbvio que o STF tem argumentos para justificar o reajuste salarial anunciado, e que o Executivo Federal tem lá suas razões para não o querer. Contudo, sem algo parecido com uma revolução à vista, ajuda mais ao país assistir à busca de soluções negociadas, do que ver cada lado partir para o ataque aos demais. Refiro-me não só ao STF, pelo seu óbvio papel, mais incisivo nos dias de hoje, como aos órgãos responsáveis pelo começo da destruição desse cancro chamado corrupção. Sem falar que foi a Constituição de 1988 quem deu autonomia financeira e administrativa aos poderes Judiciário, Legislativo, Ministério Público, incluindo ainda defensoria pública e tribunais de conta, daí a relativa facilidade com que se movimentam na área financeira.
Em favor dos Executivos estaduais, os poderes autônomos precisam entender que, somando aos gastos desses as fatias de outros segmentos privilegiados no orçamento público, todos eles acreditando que os orçamentos residuais devem pagar toda a despesa de aposentados, no final a conta não fecha. Estados como Minas Gerais, por exemplo, ficam com muito pouco (apenas 7% da receita corrente disponível em 2015, primeiro ano dos atuais mandatos) para administrar o resto. Com essa parcela ínfima, teriam de bancar as despesas das demais secretarias, onde se situa a quase totalidade dos investimentos.
Só que, com a arrogância típica de sua função, mesmo com um desempenho apenas sofrível até agora, as autoridades executivas federais, em vez de explicar tudo isso com clareza aos demais poderes, para negociar uma solução adequada, preferem partir para o confronto com todos, se recusando a implementar até emendas constitucionais ou leis complementares, principalmente quando se trata de medidas que aliviam apertos financeiros agudos de outros entes públicos. Refiro-me à regulamentação da conhecida Lei Kandir, que busca compensar estados e municípios perdedores por terem sido obrigados a desonerar exportadores do pagamento de ICMS, e da recente Emenda 99/17, que buscou novos caminhos para viabilizar o pagamento de precatórios — dívidas vergonhosas dos governos com entes privados, algo que há muito a Justiça mandou fazer, mas a que os Executivos resistem a obedecer, desafiando a Justiça. Que haja bom senso.
Fonte: “Correio Braziliense”, 21/08/2018