Os novos capítulos da política demandam capacidade de reação de Jair Bolsonaro. E o melhor antídoto para evitar uma crise de governabilidade é a economia arrumada.
Foi assim com Temer. A queda da inflação e a retomada, ainda que lenta, da economia foram suficientes para manter as ruas calmas, a despeito da baixa aprovação do governo.
É verdade que o ex-presidente precisou garantir apoio do Congresso nas votações das denúncias contra ele, com consequências na gestão orçamentária. No entanto, seu governo não perdeu de vista a necessidade de manter a política econômica nos trilhos e de dar continuidade à agenda de reformas, ainda que inviabilizada a da Previdência. Temer soube ouvir.
O mau desempenho da economia é algo esperado por conta da epidemia, o que contribui para conter a crítica ao presidente. No entanto, uma crise prolongada, causada por políticas públicas equivocadas, poderá testar a paciência da sociedade. Não basta colocar a culpa no isolamento social dos governadores, até porque parece clara a saturação do sistema de saúde.
As crises econômica e política tiram Bolsonaro de sua zona de conforto. O presidente deu sinal de que sabe que não pode descuidar da economia. Foi simbólico reafirmar a confiança em Paulo Guedes, cujo cargo parecia ameaçado.
Gestos não bastam, no entanto. Sua convicção sobre a importância de disciplina fiscal e medidas estruturantes – em contraponto a estímulos que beneficiam a poucos, mas prejudicam o crescimento sustentado de longo prazo – será testada, tendo em vista as pressões crescentes por socorro governamental.
Mais de Zeina Latif
Cuidado com os desejos
Faltam informações
Cuidado com as curvas
Bolsonaro precisa arbitrar as divergências internas do governo, posto que cresce a defesa de políticas de estímulo econômico que lembram as do governo Dilma. As discussões sobre a agenda pós-pandemia iniciada pelo plano Pró-Brasil precisam estar conectadas à dura realidade fiscal e às novas prioridades que emergem com a crise: há diferentes cenários de demanda por cada tipo de infraestrutura; será preciso preparar o País para um mundo mais digital; e maior esforço será necessário para atrair o investimento privado.
O presidente precisa se comprometer com a combalida agenda de reformas. É nítida sua baixa disposição para enfrentar temas espinhosos.
Guedes também precisa arrumar a casa, com um plano de ação estruturado para enfrentar a crise e entregar oportunamente as reformas mais urgentes. Oportunidades foram desperdiçadas em 2019, em meio a promessas em demasia.
Do lado fiscal, aumentou a urgência de medidas que reduzam a rigidez orçamentária – principalmente os gastos com a folha –, pois a elevação adicional da dívida pública recomenda o reforço da perspectiva de ajuste fiscal futuro.
Será necessário redefinir prioridades da agenda de crescimento. Se, por um lado, será difícil avançar na reforma tributária e nas privatizações, diante das dificuldades do setor produtivo e de tantas incertezas, por outro há espaço para remover obstáculos ao crescimento sustentado.
Guedes precisa aumentar a interlocução com os demais ministérios e com o Congresso. Um exemplo de dificuldade é o lento avanço do projeto de lei de licitações.
A mudança no Ministério da Justiça poderá ser uma oportunidade para se discutir a redução da insegurança jurídica, que inibe o investimento. Como ensina Carlos Ari Sundfeld, há excessos da ação estatal assentados no direito público brasileiro, o que requer o diálogo com o sistema judiciário e a revisão de normas legais e exigências nas licitações e a redução da ingerência de órgãos de controle.
Na área tributária, Bernard Appy aponta a necessidade de maior qualidade das normas tributárias, uniformização e consolidação da jurisprudência entre os tribunais e maior transparência por parte dos órgãos fiscalizadores na interpretação e aplicação das leis.
Há muito a ser feito para reduzir disfuncionalidades da ação estatal. Seria um equívoco buscar atalhos e ceder a pressões que atrapalham o crescimento sustentado.
Ainda há tempo para corrigir rumos.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 30/4/2020