Uma onda conservadora invadiu o país. Ou melhor, duas: a onda de reacionários azuis (contrários ao casamento gay e outras mudanças de costumes) e a dos reacionários verdes, avessos à modernização das cidades, ao uso da química no campo e a inovações na produção de alimentos.
Reacionários azuis acham que as pessoas devem casar e fazer sexo como ingleses vitorianos. Reacionários verdes defendem a alimentação sem fertilizantes, pesticidas, aditivos ou processamento –como no século 19.
Reacionários azuis defendem a proibição de drogas mesmo que ela resulte em tráfico e corrupção de policiais. Reacionários verdes defendem a proibição de agrotóxicos apesar da possibilidade de contrabando de pesticidas (crime cada vez mais comum) e da corrupção de fiscais.
Quem se preocupa com o meio ambiente precisa desapegar dos dogmas da “ecoteologia” e fazer as pazes com a inovação e a ciência –ou seja, com a modernidade. Essa é a principal mensagem do “Manifesto Ecomodernista”, texto publicado por diversos cientistas e ambientalistas em 2015.
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Costumamos acreditar que viver de forma sustentável é viver perto da natureza. Os ecomodernistas defendem o contrário: não existe preservação ambiental sem química, engenharia e tecnologia.
Em quase toda a história, dizem os autores do manifesto, a sobrevivência e o conforto humano dependeram da devastação ambiental. Para não morrer de fome ou de frio, tivemos que matar grandes animais e derrubar florestas.
Em São Paulo, por exemplo, a iluminação urbana dependia da morte de baleias. Até a popularização do gás e do querosene, o óleo de baleia abastecia os lampiões das principais cidades brasileiras; a madeira era a fonte mais comum de energia.
Por sorte, a tecnologia promoveu o milagre da dissociação entre conforto humano e devastação ambiental. Os arranha-céus, a agricultura intensiva, a energia nuclear e hidrelétrica reduziram o impacto humano sobre o ambiente.
Um arranha-céu com 400 apartamentos causa muito menos impacto a matas e nascentes do que 400 casas espalhadas por uma cidade. Tomates produzidos com fertilizantes exigem menos área de cultivo do que tomates orgânicos. Mas os reacionários verdes torcem o nariz para prédios altos –e consideram pesticidas e fertilizantes substâncias tão malditas quanto a maconha para os reacionários azuis.
Da mesma forma, fogueiras e fogões a lenha emitem mais gases do efeito estufa do que uma usina de energia nuclear. São responsáveis por 67% das emissões de partículas finas na Dinamarca (e só 3% da energia). Ainda assim, preservam o marketing de sustentabilidade que os donos de usinas nucleares sempre almejaram.
Não se trata de “defender os interesses do agronegócio”. Pois mais cedo ou mais tarde os produtores de soja e de pesticidas serão, eles próprios, vítimas da inovação.
Por exemplo, quando alguém inventar a produção barata de proteína sintética, campos de soja se tornarão tão obsoletos quanto os lampiões movidos a óleo de baleia. Será uma bela notícia para os ambientalistas: milhões de hectares serão liberados para a criação de parques e reservas. Pena que, quando isso acontecer, os reacionários verdes protestarão contra as novidades da indústria alimentícia.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 11/07/2018