Ao zerar as fontes governamentais cativas do setor de infraestrutura, para atender, com a edição da Constituição de 1988, a outros segmentos, o Brasil, contrariando as antigas tendências estatizantes, parecia apostar que nossas necessidades nessa área passariam a ser supridas basicamente pela iniciativa privada. Realmente, os gastos em investimento do setor público como um todo desabaram de 10,6% do PIB ao final dos anos 1970, para 1,8% do PIB no ano passado. Mas a desejável resposta do lado da política de concessões privadas e dos seus efeitos, que só veio a dar as caras a partir de 1995, ficou abaixo do mínimo requerido, e, de 2002 para cá, o novo modelo se viu golpeado pelo populismo exacerbado que se instalou no país. Ou seja, redefiniram-se as prioridades e rotas de solução, mas se esqueceram de combinar com os russos…
Na verdade, o problema é bem maior do que pode parecer à primeira vista. Gastamos todo o dinheiro que antes ia para a infraestrutura — e algo mais — em pessoal, assistência social e na formação de uma gigantesca dívida previdenciária, a ponto de praticamente quebrar o setor público, e deixamos a infraestrutura do país em frangalhos. Ou seja, a tarefa nada simples que se coloca hoje é sanear as finanças públicas e, ao mesmo tempo, recuperar os investimentos, em parte no setor público (onde terá de ocorrer minimamente). E, finalmente, deve-se colocar em prática aquilo que mencionei no parágrafo anterior: a prioridade máxima às concessões privadas, que requer que, pelo menos, se siga o modelo aceito internacionalmente. Em particular, que se assegure a segurança jurídica dos contratos, e em que as agências reguladoras, sem ingerência política indevida, funcionem focadas efetivamente no interesse público.
Pois bem, é nesse contexto que observo e avalio, entre as maluquices que se estão fazendo hoje, com motivações políticas que só Deus sabe e num caso específico de suma importância para o país, a concessão do aeroporto de Confins.
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Contratada em 2014, a concessão de Confins foi leiloada no pressuposto de que, por suas condições básicas desfavoráveis sobejamente conhecidas, o Aeroporto da Pampulha só operaria de forma bastante limitada, conforme regras em vigor à época. Considerou-se, ainda, mais adiante, que dois aeroportos na mesma região metropolitana, que tivessem movimentação inferior a 30 milhões de passageiros por ano, provocariam uma concorrência predatória entre si, tendo em vista a atual demanda do setor em Minas Gerais.
Pois bem, mesmo com a reafirmação desse pressuposto contida em portaria e resolução emitidas no âmbito do Ministério dos Transportes, com forte fundamentação lógica, que justificava e confirmava a citada vocação do Aeroporto da Pampulha, uma nova orientação política na área acabou promovendo mais recentemente o cancelamento de tais atos, via gestões da Infraero e da Anac. Só que, reagindo a pedido de medida cautelar, o TCU houve por bem conceder liminar indeferindo estes últimos atos.
Só que a novela não acabou aí. Contrariando a decisão acima mencionada, a Anac publicou, em 22 de agosto último, antes de qualquer decisão final do TCU acerca do processo administrativo em causa, e, ainda com a decisão cautelar vigente, nova “decisão de coordenação” do Aeroporto da Pampulha para a temporada de inverno 2018, o que possibilita o início dos procedimentos para alocação de slots no aeroporto.
Mais que isso: surpreendentemente, a Anac, agência reguladora onde um dos papéis fundamentais é zelar pela segurança na aviação civil, ampliou a operação de Pampulha para aeronaves de maior porte, mesmo sem Pampulha atender aos requisitos de segurança operacionais regulamentares. E causa, de fato, estranheza, que as decisões da Anac tenham sido tomadas sem a decisão definitiva do processo administrativo perante o TCU, com medida cautelar vigente, uma vez que não há razão para a “coordenação” e procedimentos de alocação de slots em um aeroporto cuja operação se encontra suspensa.
Isso tudo dá respaldo à tese de que o setor público é o grande responsável pela queda do investimento e do PIB no Brasil: diretamente, porque os recursos para investimentos públicos vêm sendo progressivamente comprimidos para acomodar aumento de gastos com previdência e outros; indiretamente, porque a governança e o marco regulatório desestimulam a participação do capital privado e dificultam as concessões. Para concluir, é necessário, portanto, propor soluções para os dois problemas. Sem espaço para mais, e tendo em mente o absurdo caso da Pampulha, concentrei-me no segundo grupo. Ou seja, precisamos criar condições mínimas para atrair os investimentos privados particularmente na expansão da infraestrutura do país. Por um montão de razões que justificam sua superioridade, o investimento privado tem de ter cadeira cativa onde for viável economicamente. Na corte de uma economia combalida como a nossa, ele tem de ser o soberano. E ponto final.
Fonte: “Correio Braziliense”, 18/09/2018