Em momento de crise, a América Latina não terá outro caminho a não ser investir em inovação e conhecimento tecnológico para crescer e, com isso, evitar que os programas sociais desenvolvidos com êxito na região sejam ameaçados. O Brasil não é uma exceção. O diagnóstico é de Rebeca Grynspan, ex-vice-presidente da Costa Rica, ex-ministra da Economia do país nos anos 1980 e titular da Secretaria-Geral Ibero-americana. Em visita ao Brasil, ela teve, em Brasília, uma série de encontros com técnicos de vários ministérios, entre os quais da Educação e das Relações Exteriores, e, hoje, participará, no Rio, do encerramento do Laboratório Ibero-Americano de Inovação Cidadã.
O Globo: A senhora prega que a recessão na América Latina ameaça as conquistas sociais. É uma visão generalizada?
Rebeca Grynspan: É uma percepção generalizada, porque as taxas de crescimento vão ser baixas em todos os países, em torno de 2,5%. Esse crescimento é pouco para a expansão do emprego, fundamental para queda da pobreza e da desigualdade na região.
O Globo: Qual a solução para os problemas econômicos enfrentados pela América Latina?
Grynspan: Na região não há mais alternativa, a não ser o caminho do conhecimento e da inovação. Esse também é o pensamento de organismos como a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). A melhora da competitividade vai depender da produtividade, dos investimentos em ciência e tecnologia e da capacidade de inovar.
O Globo: Países como o Brasil estão em uma encruzilhada: ou cortam gastos, inclusive sociais, ou aumentam impostos. O que dizer sobre isso?
Grynspan: Estive no Ministério da Fazenda de meu país. E digo que sempre há uma combinação que é preciso usar. Se apenas um instrumento é adotado, então é usado em excesso, e isso não é bom para a economia. Nada em excesso é bom. A combinação de instrumentos que se complementam sempre é o melhor caminho a seguir.
O Globo: A vitória do empresário e político de centro-direita Maurício Macri na Argentina deve representar uma mudança no panorama político da América do Sul. Como seria esse cenário?
Grynspan: Quando há democracia, sempre há mudanças. Democracia implica alternância de poder.
O Globo: Macri disse que vai pedir ao Mercosul a suspensão da Venezuela do bloco.
Grynspan: O mais importante que se passa neste momento são as eleições parlamentares na Venezuela. Não sei o que pensa a Unasul (Unidade Sul-Americana de Nações), mas, pela minha cabeça, a solução do processo venezuelano tem de vir através das eleições.
O Globo: Qual a sua opinião sobre a Parceria Transpacífico (TPP)?
Grynspan: Creio que o fracasso da Rodada de Doha na Organização Mundial do Comércio (OMC) fragmentou o comércio no mundo. Inicialmente, surgiu uma microfragmentação, com um número incontável de acordos bilaterais, formando o que chamamos de tigela de espaguete. Agora vemos uma tendência diferente, uma macrofragmentação. Os acordos são muito grandes, mas não contemplam todo mundo. Alguns latinos estão na TPP e outros não. Todos preferiríamos um acordo na OMC, seria o ideal.
O Globo: E quanto às negociações entre Mercosul e União Europeia para a criação de uma zona de livre comércio?
Grynspan: É muito importante que Mercosul e União Europeia retomem as conversas. Não devemos nos esquecer de que está em negociação um acordo no Atlântico Norte, formado por Estados Unidos e União Europeia.
O Globo: Qual a responsabilidade dos EUA e da China nas economias latino-americanas?
Grynspan: A desaceleração da China afeta toda a região, mas especialmente a América do Sul. Já o crescimento dos EUA beneficia, fundamentalmente, a parte Norte da América Latina: América Central e México. A China afeta muito a economia do Sul de duas maneiras: pelos preços das matérias-primas e pelo volume de comércio. A demanda está baixando.
O Globo: O aumento dos juros nos EUA não vai piorar o endividamento dos países latino-americanos?
Grynspan: O aumento das taxas de juros nos EUA foi antecipado para o mercado. Por isso, não espero um impacto muito grande na dívida dos países. A dúvida é como vai ficar o setor privado.
O Globo: Há quem compare a situação atual à crise dos anos 1980, por causa da política monetária americana.
Grynspan: Não é verdade. Na época, os governos latino-americanos estavam muito endividados. Estamos em outro momento; os países estão mais bem preparados. A comparação com os anos 1980 é totalmente equivocada. Há 30 anos, não tínhamos instrumentos flexíveis. Os tipos de câmbio eram fixos e, por isso, não era possível se ajustar para internalizar o problema. Estamos em um momento de maior resistência na América Latina para enfrentar o mau tempo.
Fonte: O Globo, 29/11/2015
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