“A Assembléia Nacional é o maior bordel de Paris”, afirmou Pierre Poujade, que liderou o maior boicote contra o pagamento de impostos da história da França. Ele criou a União de Defesa dos Comerciantes e Artesãos e posteriormente seu braço político, a Union et Fraternité Française (UFF), partido que chegou a eleger 52 deputados em 1956. O mais jovem deles chamava-se Jean-Marie Le Pen.
Rebeliões fiscais não são monopólio da direita. Na Inglaterra, ativistas de esquerda iniciaram a revolta contra a Poll Tax (imposto per capita), instituída por Margaret Thatcher, que levou a sua débâcle em 1990.
Mas revoltas fiscais acontecem, em geral, não por imposição de impostos mas sim por cortes de gastos. Esta é a conclusão de Jacopo Ponticelli e Hans J Voth que examinaram dados sobre manifestações violentas, greves gerais e protestos de massa para 24 países europeus por um período de 90 anos (1919-2008).
O mal-estar na democracia brasileira deriva de ambos: insatisfação com impostos e cortes orçamentários. Mais que isso, reflete o colapso do padrão de resolução do conflito distributivo nas três últimas décadas. Os pilares do padrão vigente entre 1994 e 2006 foram inclusão social e responsabilidade fiscal. A inclusão sem ancoragem fiscal que se seguiu pós-Constituição de 1988 levou ao mecanismo clássico de resolução de conflito distributivo: a hiperinflação. Controlada a inflação, o conflito foi solucionado de nova forma: elevação monotônica de impostos indiretos da ordem de 10% do PIB durante a vigência do padrão citado.
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A invisibilidade da tributação indireta produziu o que Amilcare Puviani em “La Teoria dellla Illusione Finanziaria” (1903) chamou de ilusão fiscal (subestimação pelos contribuintes da carga tributária a que estão submetido).
O consenso anterior em torno do binômio inclusão/responsabilidade foi ao espaço devido a um choque exógeno: a descoberta do pré-sal e o boom de commodities. Produziu mais que ilusão: desvario fiscal.
O rei está nu. Os impostômetros são o símbolo do poujadismo tropical: há centenas deles em todo o país patrocinados pelas associações comerciais. Por outro lado, nas Jornadas de Junho de 2013 ou na paralisação dos caminhoneiros, a denúncia dos altos impostos estava em toda parte.
A carga chegou a 36% do PIB e há consenso que há que se fazer escolhas entre reformas profundas. Só quem não partilha da nova desilusão fiscal são os que propõem que a fórmula mágica é “taxar as grandes fortunas”. Inaugurou-se nova etapa do conflito distributivo, horizontal, entre setores e estratos sociais. Sua arbitragem é o novo desafio. Bem-vindo ao futuro pós-eleições.
Fonte: “Estadão”, 11/06/2018