Escrevo este artigo antes da abertura das urnas. Mas o tom do segundo turno, marcado por intensa participação da sociedade, sobretudo na internet, transmite um forte recado aos políticos. A eleição despertou algo que estava adormecido na alma dos brasileiros: o exercício da cidadania. O povo percebeu, finalmente, que os governantes são representantes da sociedade, mas não são donos do poder. Assistimos ao estertor dos feudos da opinião pública.
Daqui para a frente, com crescente intensidade, os políticos serão cobrados e confrontados. Felizmente. Além disso, os brasileiros, mesmo os que foram seduzidos pelo rolo compressor do marketing político, não estão dispostos a renunciar aos valores que compõem a essência da nossa história: a paixão pela liberdade, a defesa da dignidade humana e a prática da tolerância.
Eugênio Bucci, colega e bom amigo, afirmou, com razão, que “os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada palavra que escrevem. (…) Os jornalistas devem recusar qualquer vínculo, direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar – ou dar a impressão de que venha a acarretar – a captura do modo como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão encarregados de cobrir”.
A independência é, de fato, a regra de ouro da nossa atividade. Para cumprir nossa missão de levar informação de qualidade à sociedade precisamos fiscalizar o poder. A imprensa não tem jamais o papel de apoiar o poder. A relação entre mídia e governos, embora pautada por um clima respeitoso e civilizado, deve ser marcada por estrita independência.
Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os seus problemas. O governo petista frequentemente manifestou insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o PT, lamentavelmente, jornalismo bom é o que fala bem dele. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda, irrita e provoca azia. Está, na visão de seu líder, Luiz Inácio Lula da Silva, a serviço da “elite brasileira”. Reconheço, no entanto, que Lula, Dilma e seus companheiros não são críticos solitários da mídia. Políticos, habitualmente, não morrem de amores pelo trabalho dos jornalistas.
A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou nas entranhas do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da impunidade, já nem se preocupam em apagar suas impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras. Quando pilhados, tratam de desqualificar a importância dos fatos. Atacam a imprensa e lançam cruzadas contra suposto prejulgamento.
O que fazer quando ex-presidente da República faz graça com a corrupção e incinera a ética no forno do pragmatismo e da suposta governabilidade? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói um grande país com mentira, casuísmos e esperteza. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à ética. A transparência informativa, de que os políticos não gostam, representa o elemento essencial de renovação do Brasil. A imprensa, sem precipitações e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. O Brasil tem sido muito maltratado.
Além da defesa da liberdade de imprensa e de expressão, os eleitores deram um forte recado em favor da dignidade humana e da tolerância. A democracia, com seus defeitos e limitações, é o regime que mais genuinamente respeita a dignidade da pessoa humana. Qualquer construção democrática, autêntica, e não apenas de fachada, reclama os alicerces dos valores éticos fundamentais.
Mas o recado mais forte, claro e nítido foi o do repúdio à intolerância. A agressividade de Dilma e de Lula e seus destemperos verbais também empurraram a eleição para o segundo turno. A radicalização ideológica não tem a cara do brasileiro. O PT tenta dividir o Brasil ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra heteros. Quer substituir o Brasil da alegria pelo país do ódio e da divisão. Tenta arrancar com o fórceps da luta de classes o espírito mágico dos brasileiros. Procura extirpar o DNA, a alma de um povo bom, aberto e multicolorido. Não quer o Brasil café com leite. A miscigenação, riqueza maior da nossa cultura, evapora nos rarefeitos laboratórios arianos do radicalismo petista.
Assistimos ao surgimento, de forma acelerada e preocupante, de uma nova “democracia” totalitária e ditatorial, que pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura politicamente correta constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e redações. O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é, como já disse, a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, homossexuais ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo não há vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético. E ninguém, ninguém mesmo, impedirá o cumprimento do primeiro mandamento da nossa profissão: transmitir a verdade dos fatos.
Vida, família, educação, liberdade de imprensa, liberdade de consciência, de religião e de culto não podem ser definidas pelo poder do Estado ou de uma minoria. A fonte dos direitos humanos é a pessoa, e não o Estado e os poderes públicos. Sempre que o Estado ocupa o espaço do indivíduo, a primeira vítima é a liberdade.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 27/10/2014
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