Além de impor um teto para o gasto da União, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 representa uma oportunidade para o Congresso Nacional priorizar políticas públicas que sejam mais eficientes. Ao impor uma amarra na despesa pública total, que não poderá crescer acima da inflação do ano anterior, deputados e senadores serão obrigados fazer o dinheiro render mais em todas as áreas da gestão. “A qualidade das políticas públicas e seus resultados decepcionam no Brasil. O grau de eficiência delas aqui, se comparado a outros países, é muito negativo”, diz o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o primeiro governo Lula e hoje presidente da escola de negócios Insper. Na área da Educação, por exemplo, o economista cita os bons resultados obtidos por Ceará e Pernambuco no Ideb, que aponta a qualidade do ensino básico no país. “Há estados fora do Centro-Sul, mais pobres que São Paulo e Rio de Janeiro, que têm conseguido avançar e melhorar a qualidade da política pública. Vamos aprender com quem está dando certo?”
Lisboa defende a PEC 241. Segundo ele, a proposta combate o cerne da crise econômica brasileira: o avanço desenfreado do gasto público. “Não podemos perder de vista o que é urgente. Temos um problema grave na crise fiscal. Um crescimento do gasto público que avança de 5% a 6% acima da inflação há 20 anos”, alerta.
O presidente do Insper também chama a atenção para a situação falimentar de alguns estados, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Para fazer valer o teto e tirar o país do atoleiro, em sua avaliação, o poder público tem de rever as regras da Previdência e discutir a estabilidade das carreiras do funcionalismo. “Meu receio é o colapso da política pública estadual”, diz.
Época– Corrigir pela inflação é o melhor mecanismo para calcular o teto de gastos?
Marcos Lisboa – Não podemos perder de vista o que é urgente. Temos um problema grave na crise fiscal. Um crescimento do gasto público que avança de 5% a 6% acima da inflação há 20 anos. Isso levou o país à imensa crise, e que pode se agravar. Estamos assistindo às consequências do colapso da política pública em vários governos estaduais, com uma crise fiscal severa e que vai piorar. Como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais pagarão as contas de hospital, pessoal, remédio para os próximos anos? Há uma crise monumental chegando. É difícil imaginar um quadro de colapso maior do que o dos governos estudais. No governo federal, a consequência pode ser ainda pior, que é a volta da inflação crônica. Portanto, um mecanismo que interrompa do gasto é urgente. Isso é indiscutível. Há um debate se poderia ser os mecanismos ‘A’, ‘B’ ou ‘C’. Mas o governo encaminhou esse mecanismo [a correção pela inflação do ano anterior]. Adiar a discussão, dado o tamanho do problema, é um equívoco.
Época – A PEC ajuda mesmo o governo a equilibrar as contas públicas?
Lisboa – Ela é só começo. Sozinha, não resolve o problema fiscal. Ela não deveria ser necessária. Todo país tem uma restrição orçamentária, que deveria ser respeitada. As decisões de políticas públicas deveriam ser sustentáveis. Se um país toma decisões que não são, a consequência futura é uma crise. Foi o que aconteceu com o Brasil. A PEC diz que se deve respeitar um determinado limite, no caso, a inflação do ano anterior. Queremos gastar mais com saúde, ótimo. Vamos reduzir onde? Subsídios? Desonerações? A PEC traz de volta a restrição, que é da realidade, em uma lei. Desrespeitamos, repetidamente, nos últimos anos, esse limite.
Época – Discutir a eficiência de políticas públicas é uma “oportunidade” dada pela PEC?
Lisboa – Sim. Há muito tempo só ouvimos falar de aumento de gasto. A qualidade da política pública e seus resultados decepcionam no Brasil. O grau de eficiência das políticas públicas aqui no país, se comparado a seus semelhantes, é muito negativo. Nossos estados são muito ruins para a quantidade de recursos que gastam. Há uma agenda importante de prevenção de gastos ineficientes. Por que outros países conseguem fazer tão mais com menos? É a oportunidade que o país tem de dar um foco [aos gastos]. Vamos entender, por exemplo, por que alguns estados conseguem melhorar a educação básica e o ensino médio mais do que outros que têm mais recursos. Nos últimos resultados do MEC, vemos Pernambuco e Ceará como referências em políticas educacionais. Há estados fora do Centro-Sul, mais pobres que São Paulo e Rio de Janeiro, que têm conseguido avançar e melhorar a qualidade da política pública. Vamos aprender com quem está dando certo?
Época – Opositores da PEC insistem na tese de que a medida congela gastos com saúde e educação. Esse argumento procede?
Lisboa – Essa crítica não procede. A PEC garante a manutenção dos gastos com saúde e educação. O Fundeb [que repassa dinheiro à educação básica em estados e municípios], por exemplo, está fora do teto. E se o Congresso quiser aumentar o gasto nessas duas áreas, em termos reais, ou seja, acima da inflação, é só saber de onde vai tirar. A PEC fortalece o Congresso na deliberação orçamentária. Vamos voltar a ter um Congresso normal, como em outros países em que se discute o Orçamento, e as prioridades da política pública. O Brasil criou a fantasia de que bastava criar a despesa para ter políticas públicas, o que levou à inviabilidade do Estado. Vemos o extremo disso nos estados, como o Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro, que levaram a irresponsabilidade fiscal ao extremo.
Época – A aprovação da PEC torna a reforma da Previdência ainda mais urgente?
Lisboa – Estamos atrasados na reforma da Previdência há 20 ou 30 anos. O resto do mundo já adotou. Os principais países já fizeram a reforma nos anos 1980. No Brasil, a Previdência é de uma profunda injustiça social. Porque os trabalhadores de menor renda, do campo e informais nas grandes cidades, já têm idade mínima: eles se aposentam aos 65 anos de idade. Agora, preservamos privilégios para servidores públicos e para os formais, que têm salários mais altos, mas que se aposentam por tempo de contribuição, em média aos 55 anos. Conclusão: os trabalhadores formais, com salários maiores, se aposentam dez anos antes que os trabalhadores de baixa renda. Os demais países têm idade mínima, de 62 ou 65 anos. Alguns estão convergindo para 70 anos idade. E não é só idade mínima, temos de pensar também a convergência de regras para homem e mulher, acabar com regimes especiais, o não acúmulo de benefícios, a revisão das regras de pensar por morte. É uma agenda importante e extensa, complementar à PEC 241. Se ela tivesse sido feita nos anos 1990, como proposta por FHC, ou no governo Lula, esse processo poderia ser muito mais suave. Postergamos essa reforma para além do razoável.
Época– A PEC também ameaça aumentos reais no salário mínimo, recebido por quase 50 milhões de pessoas. É uma preocupação que deve ser levada em conta?
Lisboa – Aumentos de despesas que sejam insustentáveis geram problemas para o país. O Brasil vive o maior desemprego da história e uma recessão econômica de três anos. Se há prioridades, seja o salário mínimo ou outras, nada disso é proibido pela PEC. Ela apenas diz que, se quisermos aumentar determinado gasto, outro terá de ser reduzido. Não há nenhuma vedação específica. O foco é sobre a restrição do orçamento público, com o objetivo de fazer uma transição suave para estabilização da dívida sobre o PIB. É só isso que a PEC diz. Você traz uma regra, para, progressivamente, ao longo da próxima década, estabilizar a dívida sobre o PIB. E traz essa restrição orçamentária que, de novo, não é da PEC, é da realidade. Desrespeitamos a realidade durante muito tempo, e deu na crise que deu.
Época– Economistas contrários à PEC fizeram um manifesto contra a medida. Um dos argumentos é que a crise atual se deu mais pela “compra de ativos” do que o gasto primário…
Lisboa – Há muita criatividade em algumas análises. Há muitos economistas criativos. É surpreendente. Alguns deles fogem do debate concreto a partir de uma contabilidade criativa. A despesa primária cresce 6% acima da inflação por 20 anos. Há 20 anos a despesa cresce de 2 a 4 pontos acima do PIB. Isso não é um sinal de que há um problema, uma disfuncionalidade no setor público? É surpreendente. O diagnóstico é claro. O que também surpreende é que algumas posições que antes apoiavam o governo hoje são contra. Pediria mais trabalho acadêmico, mais números arrumados, mais propostas concretas para consertar o problema do que palavra de ordem.
Época – Com a PEC, quando conseguiremos controlar a relação da dívida sobre o PIB?
Lisboa – Essas simulações são muito sensíveis a como será a evolução da curva de juros e das taxas de crescimento, por exemplo. Mas há uma certeza: quanto mais efetivo for o ajuste estrutural das contas públicas, com uma transição rápida das regras da Previdência, maior é a queda esperada da curva de juros. O resultado final é uma transição mais rápida para uma melhora da economia. Além da PEC, temos a reforma da Previdência, e temos de rever a folha de pagamentos dos governos estaduais, inclusive a aposentadoria, pois há uma crise profunda que se apresenta. Meu receio é o colapso da política pública estadual.
Época – Quais as saídas para a situação falimentar encontrada por alguns estados, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul?
Lisboa – É preciso rever as regras de Previdência do setor público, que foram insustentáveis. E discutir a estabilidade das carreiras do setor público. O problema dos Estados foi folha de pagamentos. Contratou, deu aumento salarial acima da inflação, regimes de Previdência insustentáveis. É uma discussão difícil, ausente, mas muito importante.
Fonte:Época.
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