A inflação elevada é uma indicação poderosa de um governo disfuncional. Por isso é comum, entre governos de quinta categoria, a tentação de resolver o problema quebrando os termômetros.
Cristina Kirchner, por exemplo, determinou uma “intervenção” no Indec, o IBGE argentino, de que resultou o “bom comportamento” da inflação oficial entre 2007 e 2014. Uma reação inovadora, no entanto, se observa a partir de março de 2008 com uma organização privada que publicava seu próprio índice no site “inflacionverdadera.com”.
No início tratava-se de tentar replicar o índice oficial através de coletas privadas, mas, em algum momento, veio a inovação: o recurso à coleta de preços “on line” com métodos de “big data”. A ideia ganhou o apoio do MIT em 2008, no contexto de um projeto de pesquisa denominado “Billion Prices Project” cujo propósito era usar “big data” para calcular índices de preços para muitos outros países. Em 2010, o projeto já coletava 5 milhões de preços todos os dias de 300 varejistas em 50 países, e no ano seguinte a iniciativa se organiza como uma empresa de nome “PriceStats” comandada pelos economistas Alberto Cavallo (filho do lendário Domingo Cavallo) e Roberto Rigobon.
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A tributação dos ausentes
A reação libertária a uma truculência populista havia produzido uma inovação importante que, em tese, impedia que os governos manipulassem o termômetro. Digamos que há aqui um tanto do mesmo encantamento que cerca o bitcoin.
Tudo isso, no entanto, parece brincadeira perto do que vem ocorrendo na Venezuela. Desde 2015 não se publica mais índices de inflação, há controles de todo tipo por toda parte, e a ausência de termômetro vai ficando mais grave ao longo de 2017, quando a cresce percepção de que há algo muito grave acontecendo com a inflação.
A “Bloomberg” começou a publicar um índice muito simples e fácil de apurar, o “café com leche index”, que consiste no preço de uma “média” (na acepção que lhe dá Noel Rosa) numa padaria da zona leste de Caracas. Através de um gráfico interativo no site da agência o leitor poderá verificar que a inflação acumulada nos últimos 12 meses terminados em 24 de janeiro de 2018 foi de 3.991%, mas para os últimos três meses acelerou para 448.025% em bases anualizadas, correspondentes a uma média mensal de 102%.
Simultaneamente, a partir de maio de 2017, começa na Venezuela uma iniciativa semelhante à da Argentina, com a mesma designação e website, porém com um método diferente. A partir de um aplicativo, dezenas de voluntários são capazes de coletar preços e imputar ao sistema, que lhes devolve um cálculo diário para o índice usando as ponderações do índice oficial. Mais de 2 mil produtos são coletados a cada dia, sem falar em outras funcionalidades úteis em um ambiente de congelamento de preços.
Pois bem, conforme os dados coletados pelo aplicativo, a inflação “ponta a ponta” de 15 de julho de 2017 a 15 de janeiro de 2018 foi de 807%, o que corresponde a uma taxa anualizada de 4.282%. Nos últimos 3 meses anteriores a 15 de janeiro o índice avançou 411%, equivalente a uma taxa anualizada de 67.881%.
Calculando como se faz no Brasil, de forma defasada e cheia de inércia, tal como o nosso IPCA (média do índice no período de 15 a 15 do mês corrente contra a média entre 15 a 15 do mês anterior), a inflação na Venezuela para dezembro teria sido de 41% e para janeiro de incríveis 109% no mês (equivalentes a uma taxa anual de 679.209% anuais.
Em 2017 o PIB venezuelano caiu 14%, depois de despencar 16,5% em 2016. A expectativa inicial é de 6% de queda nesse ano, o que totalizaria mais de 50% de contração entre 2013 e 2018. Não há nada parecido com isso fora de países devastados por conflitos militares. O que se passa na Venezuela é uma desgraça econômica sem precedente, totalmente auto infligida, fazendo muito claro que o tal “socialismo do século XXI” é uma das maiores e mais danosas vigarices econômicas que a humanidade jamais testemunhou.
É espantoso que existam defensores incondicionais de Nicolas Maduro, mas não incomum: há os que acreditam na inocência de Lula, na competência de Dilma e em abduções por extraterrestres.
Fonte: “Estadão”, 28/01/2018