América Latina tem a síndrome do pêndulo: o continente alterna governos liberais e intervencionistas em curtos espaços de tempo. Uma hora, estatiza tudo; outra, privatiza. Isso tem nos deixado uma herança muito ruim, em particular nos investimentos em infraestrutura.
Os investimentos e as amortizações em infraestrutura são de longo prazo, no mínimo 30 anos. Para atrair esses investimentos, são essenciais e fundamentais estabilidade regulatória e segurança jurídica, e para que isso ocorra não pode haver essas alternâncias pendulares na gestão da economia. Alternâncias, sim, fazem parte da democracia e são saudáveis, pendulares são ruins. No fim no dia, o resultado é este enorme déficit de infraestrutura. Uma infraestrutura precária, cara e de baixa qualidade.
Exemplos não faltam, desde o saneamento, que é uma vergonha em quase todos os países latino-americanos, até rodovias, portos, aeroportos, ferrovias e o setor de energia. Existiu por muito tempo uma máxima aqui, no continente, de que infraestrutura seria um dever do Estado. Isso fez com que proliferassem, como uma epidemia, empresas estatais federais, estaduais e mesmo municipais em todos os segmentos das infraestruturas. Como as empresas estatais têm como principal característica a ineficiência, e muitas vezes o mau uso do dinheiro público, a situação só vem piorando. Esta acaba sendo uma das principais razões para o alto custo país, acarretando baixas produtividade e eficiência das economias latino-americanas.
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Não existem atalhos
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Sem dúvida, a solução passa por privatizações e por um receituário liberal. Mas é preciso ter em conta que, dadas a situação social e a precariedade dos serviços, existe uma necessidade de políticas públicas. Quando falamos de política pública estamos nos referindo a planejamento, e não a intervenções, com a criação de modelos capazes de atrair o capital privado, que sempre tem em mente e se assusta com a síndrome do pêndulo.
Muitas vezes se confunde a existência de algum tipo de subsídio ou incentivo com intervencionismo. Há momentos em que os subsídios, bem como incentivos, devem e merecem ser aplicados. O que não pode existir são subsídios e incentivos eternos. Ninguém deve ter um subsídio ou incentivo para chamar de seu por tempo indefinido.
Diferentes países, até os mais liberais como os EUA, criam mecanismos de incentivo aos investidores privados de infraestrutura. Dou o exemplo do mercado de gás natural. Afinal, o governo acaba de criar o programa Novo Mercado do Gás, e a grande ausência é a pouca preocupação com a criação de mais infraestrutura de gasodutos e armazenamento.
Sem capacidade de escoamento, armazenamento, transporte e distribuição de gás natural, os preços não cairão. Para tanto, o foco inicial deve ser em rentabilidade, e não em modicidade. Sem que as distribuidoras de gás natural (regulação estadual) e possíveis novos players para investimentos em escoamento, armazenamento e transporte (regulação federal) tenham os incentivos corretos, o investimento não será realizado.
Como o segmento de infraestrutura é um negócio de longo prazo, com contratos de 30 a 35 anos, os incentivos devem ser calibrados corretamente no tempo. Caso contrário, as tão almejadas qualidade, expansão da rede e tarifas competitivas não serão alcançadas.
Vários modelos coexistem no mundo. No México, o governo garantiu a demanda de capacidade dos gasodutos por intermédio da CFE (estatal do setor elétrico) e da Pemex (estatal de óleo e gás). Nos EUA, a introdução de Master Limited Partnerships (MLPs) no início da década de 80 foi a principal modalidade utilizada para financiar investimentos nos dutos do shale gas. No Brasil, a experiência de sucesso do setor de transmissão de energia elétrica – segmento com riscos e características operacionais semelhantes ao negócio de transporte de gás natural –, com o modelo de receitas fixas (RAP), poderia ser utilizada como proxy para o gás natural.
Qualquer que seja a alternativa escolhida, é fundamental estar atento a esta máxima: “Não existem atalhos para o desenvolvimento dos setores de infraestrutura”.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 30/11/2019