O Brasil está mergulhado em uma guerra civil não declarada. Não somos apenas campeões mundiais em homicídios (60 mil por ano) e assaltos (2 milhões nos registros oficiais): somos a terra da absoluta impunidade – só 8% dos homicídios e 2% dos assaltos são esclarecidos.
Diante dessa produção de vítimas em escala industrial, não surpreende constatar que a justiça encontra mil obstáculos ao tentar punir criminosos. Quando removemos a linguagem empolada e os rituais elaborados, o que sobra da justiça brasileira é uma realidade tão absurda que parece ficção.
Nos países civilizados um criminoso é preso depois de declarado culpado por um juiz. No Brasil, é preciso que ele seja declarado culpado novamente, desta vez por um tribunal, para que a prisão ocorra. Entre um evento e outro, o réu dispõe de um número quase infinito de recursos feitos ao judiciário para reconsiderar algum aspecto do caso – alguns importantes, outros de caráter meramente burocrático e irrelevante para o mérito do caso. Imaginem o custo de tudo isso.
Não se trata de mera presunção de inocência, um dos fundamentos da liberdade democrática, mas de insistência na negação da culpa. Discute-se, de novo, no STF, se a segunda condenação é suficiente para a prisão. Mas como assim, se a condenação em primeira instância é o padrão civilizatório no mundo?
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Se para um criminoso ir preso no Brasil for preciso uma condenação pelo juiz, depois por um tribunal, depois pelo STJ e depois pelo STF – com todas as centenas de recursos pelo caminho – quem irá preso nesse país? Resposta: quem não pode pagar advogados milionários. O processo do ex-senador Luiz Estêvão levou 14 anos, com 34 recursos. O processo do ex-prefeito Maluf levou 17 anos. Quando tempo levarão os processos contra Luiz Inácio?
Como é possível que, já duas vezes condenado, ele faça campanha presidencial? Como eu explico isso aos meus filhos, ao policial militar que patrulha a minha rua?
Durante o regime militar, ficou famosa a Lei nº 5.941 – a Lei Fleury – que alterou o Código de Processo Penal e garantiu ao réu primário e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade. A lei tinha o objetivo de impedir que o delegado Sérgio Fleury, do DOPS paulista, fosse preso por seu suposto envolvimento no Esquadrão da Morte.
Fleury era conhecido como agente da repressão política contra militantes da oposição. O senhor Luiz Inácio era um dos principais líderes oposicionistas. É sintomático que ele, agora, recorra a uma manobra similar àquela feita para livrar o delegado Fleury da cadeia.
Todos são iguais perante a lei. Uma lei ou jurisprudência feita sob medida para salvar um político corrupto salvará também assassinos de crianças, sequestradores e homicidas. Uma decisão que salva um criminoso poderoso pode destruir um país.
E essa é a responsabilidade que pesa sobre o STF.