Ontem, o dólar atingiu sua cotação mais alta desde o Plano Real (1994). Fechou em R$ 4,21 reais. No momento em que escrevo este texto, a cotação se aproxima de R$ 4,25 por dólar. Mesmo assim, o ministro da Economia disse, em Washington, que a alta de moeda americana não o preocupa. Ele tem razão.
Tem sido rápida a deterioração das contas externas. O déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos – o resultado de todas as transações do país com o resto do mundo – alcançou US$ 7,9 bilhões em outubro, muito acima do meio bilhão de dólares do mesmo mês do ano passado. A principal causa foi a balança comercial, cujo superávit alcançou apenas meio bilhão de dólares no mês passado (US$ 6,8 bilhões em outubro de 2018).
O dólar mais alto pode acender um sinal amarelo para os gestores de política econômica, mas não há motivos para alarme. O déficit em conta-corrente deve alcançar 3% do PIB este ano, nível considerado prudente para países emergentes, porém nos últimos doze meses os investimentos estrangeiros diretos – a mais estável fonte de financiamento desse déficit – atingiram 4,35% do PIB. Por outro lado, essa régua era mais adequada em épocas de baixos níveis de reservas internacionais. Hoje, o Brasil tem reservas de US$ 367 bilhões, muito acima de sua dívida externa total (algo como US$ 320 bilhões).
O país pratica o regime de câmbio flutuante desde 1998, período em que o mercado e o Banco Central aprenderam como operar nessa realidade. O BC dispõe de instrumentos de intervenção no mercado cambial para a hipótese – remota a esta altura – de um pânico.
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O dólar mais caro resulta basicamente de mudanças estruturais. A queda do crescimento mundial e a redução dos preços das commodities afetaram o ritmo das exportações brasileiras, enquanto as importações começaram a subir por força da recuperação, ainda que tímida, da atividade econômica.
Há também outros fatores a justificar a alta do dólar. Com juros mais baixos, ficou mais barato para as grandes empresas tomar crédito no mercado interno e liquidar dívidas no exterior. Investidores externos perderam oportunidade de ganhos nas aplicações em renda fixa, transferindo seus recursos para operações mais rentáveis em outros países. E a turbulência na América do Sul pode ter assustado investidores mais conservadores.
Tudo isso implica saídas de divisas para o exterior.
Em resumo, o dólar alto tende a ser o novo normal. Mudou o patamar da taxa de câmbio. Tudo indica que vai subir mais com a recuperação da economia e se piorarem as expectativas no front mundial, seja pela continuidade da guerra comercial EUA X China, seja pela ocorrência de um Brexit sem acordo com a União Europeia.
Nesse quadro, o câmbio flutuante exercerá o seu papel. Dólar mais alto significa maiores oportunidades de exportar e menos incentivos a importar. Assim, a economia se ajusta, promovendo exportações líquidas e o ajuste do resultado em conta-corrente.
Eventuais consequências na inflação, podem levar o BC a elevar um pouco a taxa de juros básica, a Selic.
Desse modo, o país pode crescer menos até que as reformas em andamento reduzam os riscos fiscais e elevem a produtividade, o que contrabalançaria os efeitos negativos da alta do dólar no crescimento do país. É assim que funciona.
Fonte: “Veja”, 26/11/2019