Senadores incluíram na pauta de votação desta terça-feira (13) um projeto que altera o cumprimento da Lei da Ficha Limpa, criada em 2010. A proposta, de autoria do senador Dalírio Beber (PSDB-SC), tem por objetivo fazer com que os políticos condenados antes de 2010 tenham suas penas aplicadas de acordo com leis anteriores, em vez de cumprirem os oito anos sem direito a concorrer a cargo eletivo — o que determina a Lei da Ficha Limpa. Em outubro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia decidido adotar a medida para os casos anteriores à vigência da lei.
Para o advogado e conselheiro do Instituto Millenium Sebastião Ventura, “estamos diante de um flagrante oportunismo legislativo”, já que o atual Congresso está prestes a ser renovado. “Não vejo com bons olhos essa medida e a forma como está sendo conduzida. O Congresso atual não tem legitimidade para tocar em um tema tão sensível, como é o caso”, pontua o advogado. Confira:
Imil: O que de fato significa esse projeto?
Sebastião Ventura: O Senado está querendo restringir os preceitos da Lei da Ficha Limpa. É importante lembrarmos que o Supremo Tribunal Federal, em um julgamento em outubro de 2017, já decidiu que a Lei da Ficha Limpa aplica-se, inclusive, para caso de abusos de poder anteriores à vigência da lei. Se o candidato, ao fazer o registro, estiver inelegível por oito anos, automaticamente está fora da disputa eleitoral. Diante dessa decisão do Supremo, os deputados querem, através de um canetaço legislativo, modificar a linha traçada pelo STF. Não custa lembrar que 50% da Câmara dos Deputados será renovada e 85% dos dois terços que foram elegidos no último pleito do Senado serão renovados. Então, temos uma nova sistemática parlamentar. Essa renovação que ocorreu agora se deve justamente por um clamor da sociedade brasileira de ter uma política com maior moralidade e transparência. Vemos um Congresso que está indo para casa, querendo restringir uma lei que visa justamente garantir uma melhor moralidade na política nacional. Infelizmente, estamos diante de um flagrante oportunismo legislativo. Uma vez aprovada, essa medida com certeza poderá ser questionada no STF. Afinal de contas, uma lei para ser constitucional não basta apenas uma maioria parlamentar eventual. Toda lei deve procurar realizar o Estado de Direito.
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Imil: Caso o novo projeto de lei seja aprovado, quando começa a valer?
Sebastião Ventura: O projeto de lei no Senado diz que passa a ter vigência imediata. É claro que ainda irá a sanção presidencial, e mais do que isso, vamos lembrar que é um projeto em regime de urgência. Qual a urgência de se fazer uma mudança dessa de forma apressada, ao apagar das luzes das atividades parlamentares? Algo não está cheirando bem nessa medida. O Brasil precisa ter uma atividade parlamentar que seja mais sensata, que olhe o país e não apenas os interesses da classe política. Se essa medida na nova legislatura entender que há de se fazer alguns temperamentos na Lei da Ficha Limpa em razão de alguns casos de injustiça pontual, que seja feita. Se em algum caso os eleitos que foram vitimados pela aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa sentirem-se lesados, podem bater nas portas do Poder Judiciário procurando uma medida judicial. Então, não existe sangria desatada a se justificar um julgamento feito de forma apressada como querem fazer.
Imil: Essa circunstância reafirma a cultura da impunidade que temos no Brasil?
Sebastião Ventura: Há um tempo, o Brasil passou a desvendar, como na Operação Lava-Jato, que nós temos uma espécie de orgia criminosa no país. Bem ou mal, procura-se, através do julgamento do mensalão, de toda institucionalização da Polícia Federal que culminou na operação Lava-Jato, inverter esse mau hábito dos crimes de poder que permaneciam impunes no país. Esse é um projeto demorado, e que nós como sociedade, deveríamos estar sempre atentos e em cima da classe política para evitar que leis feitas no apagar das luzes e que venham a proteger a classe política, sejam implementadas. Não vejo com bons olhos essa medida e a forma como está sendo conduzida, em processo de urgência. A própria redação do projeto de lei é algo confuso, e quando a lei é confusa, gera insegurança jurídica. Se for o caso de debatermos e voltarmos a rediscutir o âmbito de eficácia da Lei da Ficha Limpa, nós podemos fazer. Vamos esperar os novos parlamentares que estão vindo com novos ideias e aspirações para o Brasil, sentarem no Congresso e colocarem na pauta se for o caso. Não vejo que o Congresso atual tenha legitimidade para tocar em um tema tão sensível como esse.