A Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) lançou peça publicitária contra os reconhecidamente elevados juros da economia brasileira. Essa é, de fato, uma causa justa, mas que deve ser endereçada de maneira correta. Afinal, para todo problema complexo há uma solução simples e equivocada. Nos próximos parágrafos, listo as principais questões estruturais que causam a existência de taxas de juros extremamente elevadas em nosso país.
O nível de uma variável econômica é o resultado de diversas forças que atuam sobre o organismo econômico. Com os juros não é diferente. Dado que temos os juros mais elevados do mundo, como reclamam os sapos da FIESP, implica dizer que alguns fundamentos da nossa economia estão fora do lugar. É como a febre: não se deve atacar o termômetro, mas as causas da infecção.
Para que possamos entender o problema, precisamos dividi-lo em duas partes. Primeiro, precisamos entender por que temos um juro real – o juro nominal menos a inflação – que equilibra as diversas forças do organismo econômico fora do lugar – para uma compilação sobre o assunto, clique aqui. Três coisas equivocadas na economia brasileira atuam para que isso ocorra: (i) uma taxa de poupança muito baixa; (ii) uma dívida pública muito alta; (iii) existência de muito crédito direcionado.
A renda nacional disponível, que é o PIB menos o contato com o resto do mundo, é dividida entre consumo e poupança. Enquanto aquele representa 85%, sobra para esta o seu complemento. Essa poupança baixa é disputada entre agentes privados que querem fazer investimentos e o setor público, que possui um estoque de títulos que deve ser financiado ao longo do tempo. E aqui, as coisas se complicam bastante. Comparado com países de renda (per capita) similar, nosso endividamento público é bem mais alto. Isso significa que as pessoas exigirão um prêmio de risco mais elevado para financiar o governo, o que explica o juro real mais elevado.
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Um terceiro fundamento fora do lugar concorre para agravar ainda mais as coisas. Isso porque, um pouco mais da metade de todo o estoque de crédito da economia é direcionado, isto é, ele atende alguns escolhidos com taxas de juros mais baixas. São basicamente os empréstimos do BNDES, da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e demais bancos públicos. Taxas de juros mais baixas para alguns escolhidos implicam em um juro mais alto para os “não escolhidos”, de modo que o Banco Central possa manter a inflação sobre controle.
A baixa poupança, o endividamento público muito alto e o crédito direcionado para alguns escolhidos explicam o juro real de equilíbrio da economia brasileira fora do lugar. Mas o problema fica um pouco pior para o consumidor e para o empresário, que precisam recorrer ao crédito para, por exemplo, financiar as despesas do mês ou o capital de giro. Isso porque, sobre esse juro real, que se aproxima da taxa de captação de recursos dos bancos, consumidores e empresários terão de incorrer no spread bancário. Essa taxa é a soma de algumas coisas, a saber: inadimplência, custos administrativos, depósitos compulsórios, impostos e lucros dos bancos – para maiores detalhes, clique aqui.
O spread bancário é alto no país, basicamente, porque é difícil reaver um empréstimo, dada a lentidão da justiça, o que acaba sendo repassado para o preço. Ademais, os depósitos compulsórios exigidos pelo Banco Central estão entre os mais elevados do mundo e a carga tributária incidente também é bastante elevada. Por fim, o setor bancário é muito concentrado, com os principais bancos detendo grande parte do mercado. Tudo isso concorre para manter o spread elevado, o que implica em taxas de juros mais altas para consumidores e empresários.
Como se vê, leitor, os sapos da FIESP têm toda a razão em reclamar dos juros elevados brasileiros. O juro real de equilíbrio é alto porque existem fundamentos macroeconômicos que o colocam nesse patamar. O spread bancário é elevado porque existem diversas anomalias microeconômicas. A soma de fundamentos macro e microeconômicos resultam em taxas de juros mais altas para consumidores e empresários, tornando nossa economia um outlier na comparação internacional.
Atacar, portanto, o problema dos juros implica em readequar aqueles fundamentos. Será preciso reduzir drasticamente o crédito direcionado, que já começou a ser feito com a aprovação da Taxa de Longo Prazo (TLP) para os empréstimos do BNDES – que, curiosamente, contou com forte rejeição da Fiesp. Será preciso aumentar a taxa de poupança da economia, com a aprovação de uma reforma da Previdência e com o equacionamento das contas do governo. Ademais, será preciso atacar aquelas anomalias que causam um spread bancário mais alto: reduzir os depósitos compulsórios, reduzir os impostos, tornar a justiça mais eficiente e reduzir as barreiras à entrada no setor bancário. Sem dar cabo dessa agenda macro e microeconômica, nós continuaremos sendo campeões em juros. Mas quem disse que era um problema fácil de resolver?