Imagine o alívio do cidadão britânico neste momento. Foram três anos de discussões intermináveis, idas e voltas, tentativas frustradas e acordos que não vingaram; três anos sem nem sequer saber se a decisão tomada em plebiscito seria respeitada ou se uma nova chamada às urnas estava a caminho. Agora, com a vitória de uma sólida maioria conservadora, a angústia finalmente acabou: o brexit será feito.
Pode não ter sido a melhor escolha. Sim, o povo erra. Aliás, é um exemplo paradigmático do que um plebiscito não deveria ser: uma pergunta com implicações profundas para o país, que envolve uma série de áreas distintas, exige conhecimento técnico detalhado e, pior, não define como se realizará aquilo que o povo escolheu. Dado o resultado das urnas, no entanto, seria impossível voltar atrás sem desmoralizar por completo a democracia do país.
A disposição de Johnson de seguir adiante com o brexit mesmo que nenhum acordo seja selado com a União Europeia dá a segurança de que o prometido finalmente acontecerá. E, se tem algum efeito junto à UE, é de aumentar a chance de um acordo, algo que interessa a ambos os lados.
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A Inglaterra repete, no século 21, o movimento de separação do continente que fez no século 16. Naquela época, o poder unificador da Europa era a Igreja de Roma. Hoje, é a União em Bruxelas. Lá atrás, a Inglaterra optou por voltar seu olhar da Europa para o oceano. Acabou por se tornar o maior império que o mundo já viu.
Agora, segundo os defensores mais otimistas do Brexit, a pretensão é a mesma: separar-se da velha e decadente Europa para se tornar global, travando acordos comerciais com o resto do mundo, inclusive com as potências em ascensão —China, Índia. Brasil talvez? Altas chances de dar errado (bem sabemos como é difícil fechar acordos de livre comércio atualmente) e o Reino Unido terminar isolado —mesmo porque, para muitos dos que votaram pelo brexit o que interessa é manter imigrantes fora do país e proteger a indústria local; nada de abertura.
A separação da UE, ademais, corre o risco de desmembrar o próprio Reino Unido. Na Escócia, o Partido Nacional Escocês ganhou de lavada, prometendo um novo referendo para votar a separação. O governo inglês nega, mas até onde ele estará disposto a ir para negar a vontade do povo escocês? Para completar, o brexit cria um problema talvez insolúvel para a fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte.
Tem tudo para dar errado. Mas, se der certo, e o Reino Unido se tornar novamente uma nação global, cujos braços (econômicos, e não mais imperiais) se estendem por todo o planeta, a decisão temerária de agora terá sido uma jogada de mestre.
A derrota acachapante dos trabalhistas guarda também lições para todo país que tenha a intenção de vencer o populismo de direita nas urnas. Um candidato de esquerda divisivo e com propostas radicais não é o caminho a seguir. O eleitorado preferiu os riscos de Boris Johnson do que as loucuras socialistas que Corbyn lhes oferecia. Se, nos EUA, Hillary perdeu por poucos votos em alguns estados-chave (tendo vantagem de quase 3 milhões no voto popular), será que alguém como Bernie Sanders, que assusta o eleitorado moderado, teria mais chances?
A mesma lição vale para o Brasil. Abrir mão do eleitor médio em nome de uma base radicalizada é o caminho mais seguro para garantir uma nova vitória de Bolsonaro. A resposta ao medo e ao ressentimento que a direita populista mobiliza não está em propostas revolucionárias que agradam a universitários.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 17/12/2019