Uma professora reclamou, indignada, do meu vídeo sobre o ECA e me convidou para visitar sua sala de aula e conhecer “as necessidades e o desamparo dos seus alunos”. Ela termina dizendo estar farta do “discurso de ojeriza à barbárie e anseio de justiça, que leva a crer que penas maiores ou mais bem aplicadas mudarão o comportamento daqueles que são criados, pela ausência do poder público, para fazer o que fazem”.
Eu tive que escrever uma resposta para a professora. Minha resposta foi:
Caroline, eu conheço muito bem essa realidade. Já estive em quase todas as grandes favelas do Rio, e sei como vivem as pessoas no nordeste e outras regiões pobres. Pobreza NADA tem a ver com o crime.
Você comete o mesmo erro de muitas outras pessoas bem-intencionadas. É lógico que temos que ajudar a quem precisa, e desenvolver nosso país é fundamental para gerar empregos e dar oportunidades. Não se discute isso. Mas isso não é segurança pública; isso é humanismo e bom senso!
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Sem uma lei que puna assassinos, jamais vamos ter desenvolvimento econômico e progresso. A punição está na base da eficácia de uma lei. Já foi comprovado há muito tempo que o maior fator de dissuasão de criminosos é a certeza da punição (maior até mesmo que o tamanho da sentença).
Mas temos uma outra questão muito importante. Você já viu em filmes que os jovens nos EUA começam a trabalhar cedo em lanchonetes, cortando grama e entregando jornais, não viu? É verdade – eu morei lá. No Brasil, trabalho de crianças é crime! Nem o próprio pai pode contar com a ajuda do seu filho no seu negócio. O trabalho só é permitido a partir dos 14 anos, e mesmo assim cheio de regras que só empresas grandes conseguem cumprir. Empurramos nossas crianças e adolescentes para a ociosidade e para trabalhos ilegais. Mendigar no sinal de trânsito é atividade liberada em todas as cidades brasileiras. Venha ver aqui em Copacabana crianças de 12 anos fumando crack à luz do dia.
Você reclama do discurso de “ojeriza à barbárie”. Minha ojeriza à barbárie é TOTAL – sabe por quê? Porque as maiores vítimas dos criminosos com menos de 18 anos são, elas próprias, menores de 18 anos – crianças e adolescentes de bem, honestos e esforçados, que lutam para aprender e sobreviver.
Você fala da necessidade de ir à “raiz do problema”, e mais uma vez cai na falácia de achar que vamos enfrentar a crise de criminalidade do Brasil combatendo a pobreza. Mas entre 1980 e 2011 o PIB per capita do Brasil mais do que dobrou, enquanto, no mesmo período, a taxa de homicídios TRIPLICOU.
A “raiz do problema” do crime no Brasil é a impunidade.
Já a raiz do problema do subdesenvolvimento e da pobreza do Brasil está em um Estado que suga quase 50% de tudo o que produzimos, sob a forma de impostos, para manter privilégios de uma casta de políticos e burocratas.
Você não percebe, mas você e eu estamos do mesmo lado.
Nossa única diferença é que eu acredito que todos nós somos responsáveis por nossos atos. Ninguém arrasta uma criança pelo asfalto do Rio de Janeiro – como fizeram com o menino João Hélio – ou abre a barriga de uma pessoa de alto a baixo – como fizeram com Jaime Gold na Lagoa – por “ausência do poder público”.
Os autores desses crimes bárbaros fizeram uma escolha, e devem pagar por ela, para que a maioria de cidadãos de bem possa viver em paz.
Uma professora deveria entender isso com clareza, e transmitir essa lição aos seus alunos.
É nisso que acredito.