Algumas ideias, após um exercício de construção persuasiva, acabam se consolidando na consciência das pessoas. E não existe maior força de persuasão do que as dores da realidade. Sim, somos um país quebrado. Arrecadamos muito e gastamos mal. A gastança é tanta que nem uma carga fiscal de 35% do PIB é suficiente para pagar as contas do governo brasileiro. Ou seja, além de um sistema tributário asfixiante, temos uma dívida pública crescente e galopante, pois o Estado não consegue viver dentro de sua receita orçamentária. Logo, é preciso interromper – enquanto há tempo – a marcha da insensatez que governa o gasto público brasileiro.
Os sintomas da falência estatal são de incontestável evidência e gravidade. Sem cortinas, sequer temos o mais básico dos deveres públicos: segurança em nossas ruas. A partir daí os danos vêm em cascata: os tiroteios a céu aberto afetam a educação, pois privam as crianças de acessar a escola e, ato contínuo, permanecerem em sala de aula com a paz de espírito necessária à boa aprendizagem. A insegurança também afeta o comércio, impedindo a criação de novos negócios. E, como sabido, sem empresas, não há empregos. Em outras palavras, o império do crime é uma forma de perpetuação da miséria. Por fim, os custos da violência também atingem o sistema de saúde que se vê forçado a atender milhares de vítimas, com tratamentos caros e recuperação prolongada.
Ora, os fatos acima, por si só, chamam a atenção de que algo está mal e precisa mudar. No entanto, ainda temos mais alguns detalhes perversos: adicione uma overdose de corrupção em um país de impunidade oficial. Naturalmente, não há sistema que resista a tantos abusos e ilicitudes. Então, é lógico que a política precisa mudar, impondo pautas de decência e integridade pública. Fundamentalmente, precisamos de políticos com credibilidade para dialogar com a sociedade e explicar, de forma sincera e convincente, que existem modelos legislativos inaplicáveis ao mundo atual, necessitando, assim, uma reforma imediata.
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Nesse contexto, a questão previdenciária é um belo exemplo da força persuasiva da realidade. Todos os presidenciáveis – que possuem responsabilidade e, não, demagogia – sabem que a reforma da Previdência é uma medida inadiável. Felizmente, nas últimas décadas, passamos a viver mais e melhor; portanto, não é razoável manter vigente regimes de direitos feito para uma época em que se vivia menos e com pior qualidade de vida. Isso significa que as pessoas não mais terão direito a se aposentarem? Não caia nessa conversa fiada; é lógico que as pessoas terão direito a aposentadoria. O objetivo da reforma da Previdência é reto: garantir a equação matemática do benefício, reduzindo distorções e elevando a justiça contributiva entre todos os participantes do sistema público-previdenciário.
Sem rodeios, nosso grande desafio institucional é enfrentar os assuntos delicados de forma coerente, bem intencionada e com clareza de fundamentos. O Brasil é uma grande vítima de si mesmo; esperamos muito da política, mas fazemos muito pouco pela democracia. Não podemos aceitar a covardia de deixar as coisas como estão porque o país está piorando. Falta dinheiro para tudo: aposentados não estão recebendo em dia; crianças não recebem a merenda escolar; postos de saúde não dispõem de medicamentos; e, a polícia, desamparada, é impotente para enfrentar o crime organizado. Enfim, estamos vivenciando sintomas de uma perigosa desintegração civilizatória de imprevisíveis consequências institucionais.
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Antes de desespero, precisamos ter a coragem de fazer o que é certo. A democracia – como obra da razão superior – representa a possibilidade de superação de problemas difíceis pela força das ideias vencedoras e, não, pelo derramamento de sangue dos vencidos. Em um país acostumado a ser imprevidente com o dinheiro público, precisamos de uma reforma que garanta a solvência do sistema previdenciário. Não se trata de algo perfeito, mas de uma arquitetura possível. A boa política, aliás, é a arte de fazer o imponderável factível. E não existe fato mais urgente e necessário ao Brasil do que voltar a viver com responsabilidade fiscal, eficiência pública e honradez de procedimentos.
Ou será que a imprevidência salva?
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