De todas as reformas que o país vem discutindo nos últimos anos, com as tranqueiras que se conhece, a mais transcendente e, por isso mesmo, a que registrou menos avanços, é a abertura.
Nesse campo, o Brasil é um curioso caso de país ex-comunista sem nunca ter sido, e que permanece lutando contra uma memória imaginária do velho regime. De fato, depois da crise de 1982, o Brasil atingiu taxas de penetração de importações tão ínfimas quanto as da União Soviética e tem insistido em autossuficiência e substituição de importações mais até do que em choques heterodoxos.
Mas, em tempos recentes, surgiram dois novos sentidos para a ideia de abertura. E eles mudam o jeito de ver a coisa.
O primeiro tem a ver com o avanço espontâneo da “internacionalização” depois do real: em 1995, as empresas estrangeiras produziram 18% do PIB brasileiro e, em 2015, essa proporção subiu a 33%.
Tudo se passa como se esse grupo de empresas fosse um país com um PIB de US$ 592 bilhões, o 21º do mundo nesse ano, entre Argentina e Suíça. Esse “país” dentro do Brasil exportou US$ 66 bilhões em 2015, um número muito pequeno quando comparado ao que fazem as filiais em outros países, indicando com muita clareza a imensa dificuldade das multinacionais no Brasil se conectarem com suas cadeias internacionais de valor. O prejuízo é nosso: essas empresas poderiam estar exportando (e importando) o dobro ou o triplo, e não estaríamos entre os países mais fechados do mundo.
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Vale lembrar ademais que essas empresas empregam 3,4% da força de trabalho, e como produzem um terço do PIB, é fácil calcular que sua produtividade é 12 vezes a que se observa no resto do Brasil. Fica claro, portanto, que o maior impulso que teremos sobre o crescimento no futuro será dado pelo deslocamento de gente do setor isolado para o setor globalizado da economia, como no passado foi mover recursos da agricultura para a indústria. Essa é a nova abertura.
Outra circunstância a modificar o olhar que se tem sobre a abertura tem a ver com o seu escopo, conforme se nota nos acordos comerciais, cada vez mais entulhados de assuntos regulatórios, e no imperativo da disseminação internacional de “boas práticas” que se apresenta de forma especialmente clara, em nosso caso, no desafio de entrar na OCDE.
De que se trata exatamente?
A OCDE é uma organização que promove boas práticas e instituições e que funciona na base de uns poucos deveres rígidos e de uma imensa lista de bons exemplos e práticas, definidas em códigos e convenções.
O Brasil já aderiu a 38 desses instrumentos (incluindo dois dos quatro obrigatórios, o que se refere a multinacionais e o que trata de corrupção) e já solicitou ou solicitará sua adesão a outros 70. Há outros 104 instrumentos que se entende que não apresentam dificuldade alguma em aderir, entre estes os dois obrigatórios que faltam, tratando de liberalização de movimentos de capitais e de serviços. Falta muito, pois ainda não assinamos nada em assuntos ambientais (39 instrumentos), economia digital (17), defesa do consumidor (14) e governança pública (10). Entende-se que vamos ter problemas nos instrumentos na área tributária, na qual há um tanto de teimosia e outro de guerra fiscal.
As boas práticas em políticas públicas fazem bem à saúde, sendo, portanto, do nosso interesse acolhê-las, e não há que falar de reciprocidade. Repare, leitor, que esse tipo de abertura sequer trata diretamente de comércio, mas não se pode perder de vista que dificilmente seríamos aceitos num clube regido pelas boas maneiras se continuarmos a praticar as grosserias com que nos habituamos em nosso comércio exterior.
A globalização está repleta de “métricas” com as quais o país é avaliado. Há o “grau de investimento”, que o Brasil teve por breve período, mas há também os rankings do Banco Mundial, o famoso “Doing Business”, e também o Índice de Liberdade Econômica e tantos outros invariavelmente mostrando o Brasil em posições ruins.
A abertura, ao fim das contas, é parar de achar que podemos discrepar dos paradigmas internacionais sem ficar para trás em matéria de desenvolvimento econômico.
Fonte: “O Globo”, 27/05/2018