“O imposto bom não é o imposto velho nem o imposto clássico. Imposto bom é o imposto insonegável e de cobrança automatizada. Qualquer imposto sonegável, é socialmente injusto. E se a cobrança depende de documentos declaratórios, torna-se um desperdício. A automaticidade e a insonegabilidade são precisamente as características do chamado Imposto Único.” Roberto Campos
Uma matéria na Gazeta do Povo informa que uma das propostas de reforma tributária em análise pela equipe de Bolsonaro é a do Imposto Único sobre Movimentações financeiras, que substituiria todos os impostos declaratórios: “oito taxas federais (Imposto de Renda de Pessoa Física e Jurídica, IPI, IOF, Cofins, CSLL, e a contribuição patronal ao INSS), três estaduais (ICMS, IPVA e ITCD), e três municipais (ISS, IPTU e ITBI)”.
Pela proposta, todas as operações financeiras seriam taxadas na fonte em 2,81%, tanto no débito como no crédito, totalizando 5,61% em imposto. Por exemplo: se um cidadão faz uma transferência financeira de R$ 100, seria sacado em R$ 102,81 e R$ 2,81 seriam recolhidos para a Receita Federal, pelo banco. Do outro lado, o credor desse valor receberia R$ 97,19, pois também pagaria R$ 2,81 para o governo.
Eu gosto da ideia de um imposto único sobre movimentações financeiras. É um imposto mais justo – espécie de flat tax – e muito menos burocrático, já que simplifica o recolhimento e a fiscalização. Os tais “especialistas” torcem os narizes, claro. A criação desse imposto e, principalmente, a extinção de vários outros os obrigaria, assim como muitos outros indivíduos, a arranjar outra coisa pra fazer da vida, já que a adoção do Imposto Único traria, como resultado imediato, uma redução drástica da corrupção, da sonegação e dos custos tributário para as empresas e trabalhadores.
O principal defeito, segundo eles, é retirar a progressividade tributária embutida em alguns impostos. Mas isso, longe de ser um problema, é uma virtude, pois a famigerada progressividade é um desestímulo à eficiência e ao trabalho duro, já que pune severamente quem ganha mais.
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Aqui se faz necessária uma digressão: Por definição, todo e qualquer imposto incide sobre a renda do contribuinte, ainda que, formalmente, ele possa ter como fato gerador o consumo ou o patrimônio, uma vez que qualquer tributo subtrai parte da renda do indivíduo, mesmo que o seu recolhimento aos cofres públicos seja realizado por pessoas jurídicas.
A ideia de uma “flat tax” direta sobre a renda parte da premissa de que, sendo todos iguais perante a lei, sob uma mesma alíquota (flat), cada um contribuiria proporcionalmente aos respectivos ganhos. Assim, se a renda de Pedro é de $1.000.000 e a de João apenas $10.000, a contribuição de Pedro, embora nominalmente muito maior que a de João, será equivalente, em termos relativos ou proporcionais à renda.
No momento em que o Estado trata os dois de forma diferente, impondo a Pedro um esforço maior que o de João, através da progressividade de alíquotas, se instala a injustiça. Tal política também é ineficiente em termos econômicos, pois produz incentivos errados, desestimulando justamente os mais produtivos e industriosos.
O argumento de que o imposto único prejudicaria os mais pobres é outra falácia. Como a ideia é substituir quase todos os impostos incidentes sobre o consumo, os mais pobres seriam beneficiados, e não prejudicados, já que a taxação sobre eles é praticamente toda indireta e embutida no consumo.
A taxação brasileira sobre o consumo é particularmente nociva, já que mais de 49% da arrecadação vêm de impostos indiretos, segundo dados da Receita Federal. Essa anomalia acontece basicamente em função do descompasso entre a altíssima carga tributária brasileira e o baixo nível de renda média dos seus cidadãos.
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Enquanto, por exemplo, as alíquotas de imposto sobre valor adicionado (correspondentes aos nossos IPI, ICMS, PIS, COFINS, CIPE e outros), embutidas nos preços dos produtos e serviços, variam de 4,2% a 19,4% na Europa, de 3,9% a 7,3% na Ásia e de 10,7% a 20,6% na A.L., aqui no Brasil elas variam entre inacreditáveis 18,5% e 135,1% (vide estudo da FIPE aqui).
Só para se ter uma ideia do absurdo, a carga tributária escondida no preço de 1 kg de açúcar, de acordo com cálculos do IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário -, era de 68% em 2007, a mesma do detergente de cozinha. No leite, a carga era de 51%, na margarina 59%, e por aí vai.
Ainda que aumentasse muito as alíquotas do IR das altas faixas de renda e taxasse fortemente os ganhos de capital (uma receita contraproducente), dificilmente o governo obteria receita suficiente para desonerar o consumo. Em resumo, o Brasil, um país ainda pobre, optou por onerar os seus cidadãos com impostos de país rico. Com uma carga tributária tão elevada e níveis médios de renda tão baixos, não resta muita opção senão continuar taxando fortemente o consumo de ricos e pobres, o que provoca distorções em toda a cadeia produtiva, além de onerar as empresas com um custo indireto imenso para administrar o recolhimento de tantos impostos.
Outro defeito, este sim real, é a cumulatividade do imposto e os incentivos à informalidade – aumento das transações em dinheiro. A cumulatividade poderia incentivar a verticalização da produção, reduzindo a eficiência da divisão do trabalho e de toda a economia. Mas, num ambiente com cadeias produtivas tão interligadas e complexas, eu duvido que isso aconteça em escala representativa.
De todo modo, como argumenta o economista Marcos Cintra em seu livro, “Não há tributo perfeito. A escolha de determinado perfil do sistema tributário, dados os embates de interesses entre grupos e setores numa sociedade complexa, deve perseguir o dano mínimo à maioria, já que não pode alcançar a satisfação máxima de todos.”
Dito isso, eu duvido que uma proposta dessas siga adiante, pois ela representaria uma enorme perda de poder (e influência) para políticos e burocratas.