Incompetência, fraqueza, ignorância e despreparo. Pode haver palavras mais duras, mas nenhuma expressão mais suave, para explicar os erros cometidos pelo governo, sob responsabilidade do presidente Michel Temer, em reação à crise no transporte rodoviário. É enorme a lista de barbaridades: piso para o frete, subsídio bilionário a transportadores, tentativa de regular preços nas bombas, fiscalização anacrônica, desordem no Orçamento da União, aumento de custos para os setores produtivos, ampliação da incerteza econômica e, naturalmente, riscos novos para a Petrobrás, ainda em recuperação dos estragos causados pela gestão petista. Ao deixar-se acuar, o presidente cedeu rapidamente às imposições dos caminhoneiros grevistas e, segundo autoridades federais, de empresas culpadas de locaute. Prevaleceu, segundo Temer, a vocação do governo para o diálogo. Mas a explicação apenas confirma um erro deliberado. Ao escolher esse caminho, ele renunciou à autoridade, abandonou a responsabilidade correspondente, depreciou o próprio cargo e se curvou a criminosos – porque o bloqueio de estradas é crime, assim como o locaute.
Poderia ter recebido as queixas até com simpatia, mas só deveria discutir soluções depois do retorno à legalidade – fim da interrupção do tráfego rodoviário e de qualquer manobra de locaute. Até a trégua encenada, com o estacionamento dos caminhões nos acostamentos, foi irregular, por ser uma evidente violação das normas de trânsito e dos princípios de segurança. Acostamento é só para emergências, como sabe qualquer motorista licenciado honestamente.
A precipitação e o despreparo do presidente e de seus auxiliares e conselheiros mais próximos ficaram escancarados, até para os mais distraídos, quando produtores e exportadores começaram a reclamar dos novos fretes, impostos por decisão do governo.
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As operações com grãos foram interrompidas enquanto empresários protestavam. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) pediu em ofício ao presidente da República a suspensão da tabela de preços mínimos para o transporte rodoviário, mencionando alta de 51% a 152% no frete.
Outras entidades ligadas ao agronegócio também se mobilizaram e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) informou estar avaliando “possíveis medidas judiciais e administrativas” contra a fixação de valor mínimo para o transporte rodoviário de cargas. O governo refez a tabela de fretes, numa tentativa de apaziguar empresários da indústria e do agronegócio, mas então o protesto veio do outro lado, com caminhoneiros ameaçando ir à Justiça em caso de perdas. Com qualquer tabela o presidente Michel Temer produzirá descontentamento e, pior, poderá multiplicar os entraves à atividade econômica.
O governo está conseguindo humilhar a oposição. Nem seus adversários mais intratáveis conseguiram agir com tanta eficiência para atrapalhar a recuperação econômica. Enquanto deu prioridade aos objetivos dos ministros da Fazenda e do Planejamento, o presidente conseguiu resultados importantes. O país saiu do buraco, depois de dois anos de recessão, o desemprego caiu e houve progressos tanto na reparação das contas públicas quanto na aprovação de reformas. A aproximação das eleições aumentou a insegurança política e alterou a disposição da impropriamente chamada base governamental. A pauta de reformas ficou emperrada, o desemprego voltou a subir e os negócios fraquejaram no primeiro trimestre.
Apesar disso, algum ânimo restou entre consumidores e empresários. A produção industrial em abril, 0,8% maior que a de março e 8,9% superior à de um ano antes, foi avaliada como sinal de vigor renovado. Até estimulou algum otimismo, de novo, quanto à evolução da economia neste ano. A paralisação do transporte afetou severamente a atividade em maio, como já indicaram os dados da produção automobilística e as perdas apontadas por vários setores. Mas falta saber a extensão dos danos causados pela mexida nos preços e condições do transporte e pelo desgoverno implantado pelo presidente e seus conselheiros preferenciais, a trupe formada pelos ministros Marun, Padilha e Moreira Franco.
A interferência na Petrobrás foi confirmada com a abertura, pela Agência Nacional do Petróleo, de consulta pública sobre a política de preços. Autoridades negam, mas a entrada na área de decisões da estatal é indisfarçável. Resta aos dirigentes da empresa tentar atenuar os efeitos da invasão. Podem conseguir algum bom resultado, mas o precedente foi criado e é preocupante.
A baderna fiscal também pode ter custos consideráveis. Para financiar o subsídio ao uso do diesel, com custo estimado em R$ 13 bilhões, o governo terá de mexer na distribuição de despesas de um Orçamento já muito apertado. O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, prometeu resolver o problema sem agravar o desajuste das contas públicas. O acerto contábil pode estar garantido, mas a qualidade do gasto, já baixa, será certamente prejudicada.
Neste país de piadas prontas, tudo isso ocorreu enquanto especialistas do Tribunal de Contas da União (TCU) concluíam relatório com recomendação de parcimônia e cuidados na concessão de qualquer renúncia fiscal. Subsídios pertencem obviamente a esse conjunto. Ao mesmo tempo, o ministro do Planejamento, Esteves Colnago, defendia no Congresso o teto de gastos e a realização de reformas para garantir a eliminação do déficit primário nos próximos três ou quatro anos. Sem isso, acrescentou, ainda haverá esse buraco em 2024 ou 2025, sem sobra, portanto, para o pagamento de juros. Uma das consequências óbvias será o crescimento da dívida pública, já muito mais pesada que a da maioria dos emergentes. Seria um bom assunto para o presidente da República, se ele ainda estivesse interessado no desafio de governar o Brasil.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 10/06/2018