A indústria continua em marcha lenta e o emprego nas fábricas encolhe: cerca de 75 mil postos com carteira assinada foram cortados nos 12 meses terminados em agosto, de acordo com o Ministério do Trabalho. Mas a candidata Dilma Rousseff acusa seus principais competidores de planejar uma recessão. Será o resultado, segundo ela, das políticas de ajuste prometidas pela representante do PSB, Marina Silva, e pelo candidato do PSDB, Aécio Neves. Os dois têm prometido, de fato, combater a inflação mais seriamente do que têm feito as autoridades nos últimos anos e pôr em ordem as contas públicas. Pode-se discutir se essas políticas serão necessariamente recessivas.
Essa discussão vai além da competência demonstrada até hoje pela presidente Dilma Rousseff e pelos principais componentes de sua equipe econômica. Sua façanha mais notável, até agora, foi uma rara mistura de economia estagnada com inflação muito acima dos padrões internacionais. Os números do primeiro semestre valem um campeonato. A alta de preços em 12 meses ficou sempre perto de 6,5%, limite de tolerância, enquanto a produção encalhou e o país afundou na recessão.
Com alguma sorte, uma revisão dos dados do segundo trimestre poderá mostrar um resultado pouco menos lamentável que a contração de 0,6%. Mas só com muito despudor – ou quase nenhuma percepção dos fatos – alguém poderá festejar essa notícia. Com ou sem revisão, o filme de 2014 continuará muito ruim, um fecho perfeito para quatro anos de erros devastadores.
Conclusão provisória: dificilmente alguém poderá rivalizar com a presidente Dilma Rousseff na produção de um desastre econômico. Pode-se atribuir alguma responsabilidade à sua equipe e até ao ministro da Fazenda, mas a política econômica foi obviamente comandada no Palácio do Planalto. Nem o Banco Central (BC) escapou desse comando. O erro cometido em agosto de 2011, com a prematura redução dos juros e o afrouxamento do combate à inflação, mostrou já no primeiro ano a subordinação da autoridade monetária à Presidência da República.
Naquele momento, os diretores do BC tentaram justificar sua decisão com uma dupla aposta – na acomodação dos preços internacionais das commodities e na gestão austera das finanças públicas. O erro, evidente já naquele momento, em pouco tempo foi comprovado. A administração do Orçamento ficou longe de qualquer ensaio de austeridade e o balanço passou a depender cada vez mais da contabilidade criativa. Ainda assim, o BC só se mexeu e voltou a elevar os juros, em 2013, quando a inflação disparava e a sua reputação estava em queda acelerada.
O afrouxamento da política monetária somou-se aos desmandos fiscais e à política de crescimento centrada no estímulo ao consumo. Resultado: a inflação anual continua na vizinhança de 6%, apesar do represamento de preços dos combustíveis e da energia elétrica e também de tarifas de transporte urbano. A deflação dos preços das matérias-primas terminou. A partir de agosto a maior parte dos índices voltou a ganhar impulso.
A mistura de inflação com estagnação da indústria dá um caráter especial ao governo da presidente Dilma Rousseff. Muitos países têm entrado em recessão por causa de condições internacionais adversas. Isso ocorreu ao Brasil e a muitas outras economias no fim de 2008, quando se agravou a crise financeira crise nos países mais desenvolvidos. Depois desse impacto, muitos emergentes voltaram a crescer e a exportar com sucesso. Alguns países do mundo rico também tiveram desempenho bem melhor a partir de 2010.
Países têm sido levados à recessão também por outro caminho, quando seus governos decidem apertar as políticas monetária e fiscal para corrigir desajustes. Decisões desse tipo geralmente ocorrem quando se misturam problemas internos, como inflação acelerada e contas públicas deficitárias, com grandes desequilíbrios no balanço de pagamentos. Quando as políticas são bem planejadas e conduzidas com firmeza e seriedade, os desarranjos são controlados em pouco tempo e as condições de crescimento logo são restabelecidas, com inflação derrubada e fundamentos mais sólidos.
A história da atual estagnação brasileira é muito diferente. Do lado externo, as condições são muito melhores do que foram entre 2008 e 2010 ou 2011. Outros países voltaram a crescer depois de superado o impacto inicial. Do lado interno, a norma tem sido a tolerância à inflação, como se a meta anual fosse qualquer ponto entre 4,5% e 6,5%. Nenhum esforço duradouro e sério foi realizado para equilibrar os preços. A política fiscal foi dominada pela gastança, pela concessão mal planejada de incentivos tributários e pela promiscuidade entre o Tesouro e os bancos federais. Só ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) o Tesouro passou uns R$ 400 bilhões desde 2009. Sem impacto externo e sem aperto interno para combate à inflação e a outros desajustes, a recessão brasileira só é explicável como resultado de uma incompetência governamental de proporções olímpicas.
Mas empregos, insiste a presidente, continuam sendo criados. Sim, mas empregos de baixa produtividade, em serviços e na administração pública. Nos 12 meses até agosto foram criados 698.475 postos formais. Na área de serviços foram abertos 549.568 (78,68% do total), enquanto na indústria de transformação foram fechados 74.994. É evidente a redução da qualidade do emprego numa economia baseada muito mais no estímulo ao consumo do que no incentivo à produção, ao investimento e ao ganho de eficiência, Nessa estranha comédia de erros e de terror, a recessão é só um episódio, mas é um dos mais incomuns. Há vários caminhos para a recessão e o Brasil chegou lá pelo pior, o da inépcia, da mentira e do populismo.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 13/09/2014.
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