O Brasil desmorona, enquanto o mundo rico sai da crise e os demais emergentes enfrentam o desafio de se ajustar para ganhar novo fôlego e voltar a crescer com rapidez. Com a indústria enfraquecida e o investimento produtivo em queda, é ridículo discutir se houve mesmo recessão no país no primeiro semestre. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, recusa essa palavra, mas, por enquanto, prevalecem os novos dados oficiais: depois de encolher 0,2% no primeiro trimestre, o produto interno bruto (PIB) diminuiu mais 0,6% no período de abril a junho. Rótulos técnicos são menos importantes que a substância dos fatos. A reação do ministro só seria mais que um esperneio inútil se ele conseguisse contestar os dois dados mais agourentos das contas nacionais.
O primeiro deles é o recuo do investimento em máquinas, equipamentos, construções e obras de infraestrutura. O valor investido no segundo trimestre foi 11,2% menor que o de um ano antes e correspondeu a míseros 16,5% do PIB. Esse é um dos fatores determinantes da capacidade produtiva, do potencial de crescimento e da capacidade competitiva. O segundo indicador agourento foi a diminuição do produto industrial – 1,5% menor que o do primeiro trimestre e 3,4% inferior ao de abril-maio de 2013. O enfraquecimento da indústria afeta a qualidade do emprego, prejudica o dinamismo dos serviços e de toda a economia urbana e compromete seriamente as contas externas.
O governo continua prometendo para dentro de alguns anos – ninguém sabe quantos – uma taxa de investimento de 24% do PIB. Taxas entre 24% e 30% são encontradas em muitas economias emergentes. Não é indispensável, nem politicamente exequível, investir o equivalente a 40% da produção ou até mais, como na China. Mas uma taxa inferior a 20% do PIB é suicida.
A economia brasileira cresceu na última década impulsionada basicamente pela incorporação de mão de obra. Essa possibilidade está esgotada. A cada dia se torna mais urgente ampliar e modernizar o estoque de capital e apostar na qualidade da mão de obra, muito mais que na quantidade.
Nada disso tem sido feito seriamente. O total investido em capital fixo pelo setor público e pelas empresas privadas ficou sempre abaixo de 20% nos últimos 15 anos. A maior taxa observada num segundo trimestre foi de 19,2%, em 2010. Em 2000 ficou em 16,76%, pouco acima da calculada para o período de abril a junho deste ano, 16,5%. Os efeitos do baixo investimento são visíveis na queda de produção da indústria de máquinas, na redução de importações de bens de capital e no recuo da construção civil, com produção 8,7% menor que a do segundo trimestre do ano passado.
As concessões de infraestrutura têm ocorrido lentamente e o governo só tem procurado apressá-las, nos últimos tempos, para recolher os bônus proporcionados pelos leilões. Esse dinheiro foi muito importante para o fechamento das contas públicas no ano passado. A infraestrutura continua muito deficiente e os custos de logística são um dos grandes entraves à competitividade. As obras do Programa de Aceleração do Crescimento(PAC) permanecem atrasadas e com baixo índice de conclusão. O investimento privado também vai mal, porque os empresários têm pouca ou nenhuma segurança para se arriscar comprando máquinas ou ampliando instalações. A incerteza tem sido motivada em boa parte pelo voluntarismo desastroso do governo e pela insistência em políticas ineficazes. Diante dos sinais de economia empacada, o ministro da Fazenda tem reagido, regularmente, com a prorrogação de benefícios fiscais seletivos e voltados basicamente para o consumo.
A indústria é o tema da segunda informação mais agourenta. Os únicos segmentos industriais com desempenho positivo, quando comparado com o de abril a junho de 2013, foram o da extração mineral (+ 8%) e o de produção e distribuição de eletricidade, gás e água (+ 1%). A indústria de transformação, por muito tempo um dos principais núcleos de modernização tecnológica e gerencial, continuou muito ruim e produziu 5,5% menos que um ano antes. Isso é desastroso para o conjunto da economia.
Um gráfico publicado no Boletim Macro de agosto da Fundação Getúlio Vargas mostra as curvas de crescimento da indústria de transformação, dos serviços e do PIB entre junho de 2007 e junho de 2014. A curva de serviços espelha a da indústria, “de forma amortecida”, como observam os autores da análise. Além disso, a evolução do produto industrial e a do PIB são muito parecidas. No Brasil, tem-se dado muita importância aos serviços, por seu peso na composição geral do produto, e tem-se negligenciado, no debate cotidiano, o papel dinâmico da indústria, especialmente do segmento de transformação.
Quando se fala em recessão, a presidente e seus auxiliares costumam retrucar citando a criação de empregos nos últimos anos. Mas o emprego industrial tem diminuído, como indicam os dados do Ministério do Trabalho, e a maior parte dos postos tem sido aberta em segmentos de baixa produtividade e de salários modestos. Mesmo a criação desses empregos tende a diminuir e já tem diminuído, com a perda geral de dinamismo associada à estagnação da indústria.
Em 2013, a indústria de transformação empregou 8,29 milhões de pessoas, 144,41 mil a mais que em 2012. Foi um aumento de apenas 1,77%. A administração pública empregou 9,34 milhões, 402,97 mil a mais que no ano anterior, com variação de 4,51%. Nos serviços a variação foi de 3,46% e o total de postos chegou a 16,73 milhões, com acréscimo de 558,63 mil. Mais que um enfraquecimento e uma crise passageira, os números apontam uma perda qualitativa. Ao discutir se a palavra recessão é adequada, o ministro da Fazenda concentra-se novamente no alvo errado. Toda economia pode recuar ocasionalmente. Mas, além de recuar, a economia brasileira está piorando. É esta a consequência mais grave da política inepta. A qualidade é essencial para o crescimento econômico e para a manutenção dos ganhos sociais.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 30/08/2014.
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