Falando em recomeçar, vamos começar isto aqui com uma piada.
Contam que, num desses bares da moda que oferecem drinques e petiscos quando a tarde cai, deu-se o reencontro de dois jovens yuppies do mercado financeiro que não se viam fazia uns anos. Depois dos cumprimentos animados, um deles confidenciou:
– Cara, estou partindo para o meu segundo milhão de dólares.
– Uau, que máximo! – respondeu o outro, disfarçando as fisgadas de inveja que lhe corroíam a alma. – Que beleza! Parabéns!
Então, o sujeito do segundo milhão de dólares explicou melhor:
– Pois é… O primeiro não deu certo.
Com a humanidade está acontecendo mais ou menos a mesma coisa. Multiplicam-se as notícias de pesquisas intergalácticas que procuram sinais de vida extraterrestre. Recentemente, ninguém menos que o astro da física pop Stephen Hawking anunciou que vai liderar um projeto de US$ 100 milhões para encontrar inteligência alienígena. A toda hora surgem fotos fulgurantes de nebulosas multicoloridas feitas pelo Hubble ou por essas sondas longínquas que cruzam espaços nunca dantes navegados. Parecem telas de Manabu Mabe. São igualmente belas, hipnóticas, as fotografias de planetas que seriam habitáveis por seres mais ou menos como nós. Somos hoje uma espécie à procura de novos sistemas solares. O que há de melhor no planeta Terra olha para o alto para achar indícios de uma segunda civilização. A primeira não deu certo.
Até o final do século XX, a simples alusão a ETs assombrava a imaginação humana. Tirando os fanáticos, que dedicavam aos discos voadores imaginários uma veneração puramente religiosa, as pessoas morriam de medo. Agora, algo mudou. Se não a veneração, uma crescente simpatia por alienígenas vai se instalando no meio de nós.
Das muitas coisas que talvez existam entre o céu e a Terra, a nossa vã filosofia deixou de divisar apenas ameaças apocalípticas. Aos poucos, passamos a admitir que, além das estrelas que vemos a olho nu, talvez haja no universo um fio de esperança, uma chance de recomeço, um novo “novo mundo”, uma outra “terra prometida”. Os mais otimistas sonham com um alienígena do bem que possa virar, digamos assim, um sócio investidor para dar jeito na confusão inadministrável que virou o planeta que ora habitamos.
Por motivos bons e por motivos maus, estamos descobrindo, tardiamente, que nada nos ameaça mais que nós mesmos. Dificilmente um ET será pior do que o nosso próximo, esse que nos atira bombas, que nos violenta, que nos transmite doenças, que assassina as crianças que amamos, que nos trai, que rouba os impostos que pagamos e, depois de tudo, ainda nos esquece. Então, no vasto deserto da nossa “vã filosofia” (um nome polido para designar a nossa descomunal ignorância), os seres extraterrestres estão com viés de alta. Eles só podem ser melhores do que nós.
A ficção científica mostra bem essa mudança de humor e de atitude. Em A guerra dos mundos (que H.G. Wells lançou em revistas e jornais ainda em 1897), os alienígenas estavam para nós como os espanhóis liderados por Pizarro estiveram para os incas: queriam sugar nosso sangue e nossa riqueza até nos exaurir. Décadas mais tarde, o pesadelo de Wells se tornaria um dos maiores sucessos de todos os tempos nas telas de cinema. Em seguida, Steven Spielberg, com Contatos imediatos (1977) e E.T. (1982), começou a inverter os sinais. Hoje, filmes como Avatar (2009) promovem os extra-terrestres ao patamar de gurus espirituais de uma humanidade órfã de deuses. Outros, como Interestelar (2014), tentam nos convencer de que o espaço sideral esconde as chaves para expandir a nossa atividade psíquica e as pontes para a prática da telepatia e para o entendimento da vida após a morte.
A veneração religiosa por discos voadores não é mais uma mania de fanáticos, mas a regra geral da indústria do entretenimento. Na falta de seres humanos que sejam dignos da admiração de seus iguais, procuram-se seres de mundos distantes. Quem sabe eles nos sirvam de modelo. Quem sabe eles nos tragam a salvação. Quem sabe eles, pelo menos eles, pelo menos os ETs, sejam honestos.
Num tempo do mais atroz desencanto político aqui no Brasil, em que todos os caciques e todos os endinheirados parecem passíveis de virar réus nessa vergonhosa podridão que vem sendo exposta como esgoto, devassando o avesso do país inteiro como um gigantesco circuito de corrupção e crime, a gente acalenta esse sentimento final, derradeiro, de que, talvez, bem longe daqui, a milhões de anos-luz de Brasília, exista algum ser vivo em cuja inocência se possa acreditar.
Fonte: Época, 10/08/2015.
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