A eleição de domingo embute uma definição do destino dos dois partidos que dominaram a política nacional nos últimos 25 anos. PT e PSDB chegam ao final da disputa em situações assimétricas, mas podem terminar em condições semelhantes.
Com a possibilidade real de chegar ao segundo turno da eleição presidencial pela quinta vez, tendo vencido as quatro anteriores, o PT demonstra uma resiliência formidável, principalmente se levarmos em conta o que foi revelado sobre o esquema de corrupção que o partido comandou na última década, mas certamente não apenas nesse período.
Paradoxalmente, o partido deve a Lula suas virtudes e defeitos. Certamente não teria chegado ao final da campanha com possibilidade de vencê-la se não existisse Lula que, mesmo preso, foi o centro dos debates por muito tempo. Mas o antilulismo, ou antipetismo, no momento fala mais alto no país, e dá ao PT um nível de rejeição que limita o crescimento de Haddad.
Foi também Lula quem inventou a polarização do “nós contra eles”, que cevou a candidatura Bolsonaro, mas, durante muitos anos deu ao PT a primazia de ser identificado como o único partido preocupado com os mais pobres. A realidade revelada, porém, tirou do PT e de Lula essa primazia, limitando o poder político do ex-presidente a uma parcela minoritária do eleitorado.
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Tentativa frustrada
O tamanho continuou semelhante, mas os eleitores, não. O PT de antes de chegar ao poder tinha um sustentáculo na classe média e nos eleitores de nível universitário. Já há algum tempo perdera esse público para o PSDB, e foi buscar no nordeste e entre os mais desfavorecidos seu ponto de apoio.
As previsões dão ao PT a maior bancada na futura Câmara, mas empatada com outros partidos como o PP, o PSDB e o MDB. E o partido poderá eleger vários senadores e governadores, mantendo a hegemonia no nordeste. Se Haddad vencer, poderá refazer suas alianças políticas e prosseguir na tentativa de “tomar o poder”, como disse Dirceu.
Mas, perdendo, vai ter que se reinventar, começando por fazer a autocrítica necessária. Se perder no primeiro turno, então, ficará marcado por derrotas sumárias, como as de 1994 e 1998, ou como a de Fernando Haddad em 2016 em São Paulo, que perdeu no primeiro turno para João Dória.
Haddad, então, amargará uma segunda derrota seguida no primeiro turno, o que indicaria que tem um futuro mais promissor como professor do que como político. Felizmente, para Haddad e o PT, essa é uma hipótese remota. O mais provável, porém, é que o PT insista na radicalização, apostando no fracasso de um eventual governo Bolsonaro.
Também o PSDB terá que se reinventar, em condições mais penosas do que o PT, pois seu candidato chega ao final com uma votação pífia, a pior atingida pelo partido nas últimas seis eleições, incluindo o próprio Alckmin em 2006 que, por ironia, teve então a melhor votação tucana no primeiro turno.
A previsão de fazer uma boa bancada na Câmara e no Senado e, sobretudo, a possibilidade de eleger governadores em vários estados, inclusive nos três dos mais importantes do país – São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul – mantém as condições para que repense sua atuação nos últimos anos. O senador Tasso Jereisatti, seu ex-presidente, já deu início à autocrítica, mas não há garantias de que o partido seguirá essa linha.
O ministro Aloisio Nunes Ferreira, que se manteve aferrado ao ministério do governo Temer, ajudando a moldar a má imagem do PSDB, já disse que não é hora de autocrítica, “e muito menos em público”, acrescentou. O que indica que o aggiornamento do PSDB terá mais resistências do que seria recomendável.
O PSDB tem uma tarefa hercúlea pela frente, recuperar seu eleitorado que aderiu em massa ao bolsonarismo, mais por antipetismo e falta de opção viável do que propriamente por concordância com as polêmicas que a candidatura do capitão promove.
Se o PSDB não disputar com o PT a tarefa de se opor a um governo que, tudo indica, será tão anacrônico e sectário quanto o eventual do PT, se transformará em um MDB do B, voltando às suas origens ancestrais.
Nascido de uma dissidência do PMDB fisiológico o PSDB prometia, assim como o PT depois, mostrar que uma nova maneira de fazer política era possível. Os dois não cumpriram, em diapasões distintos, e precisam se reinventar.
Fonte: “O Globo”, 05/10/2018