Confirmada a vitória, o primeiro desafio para o presidente eleito será reconhecer os fatos e repensar seu plano de governo e suas promessas. Sem isso, o choque de realidade poderá ser devastador. Os caminhos indicados pelos dois candidatos estão cheios de minas, algumas com alto poder explosivo. O Brasil estará muito mais seguro se o vencedor engavetar seus papéis, pelo menos por algum tempo, e pedir ajuda a quem tem estudado assuntos vitais para o futuro do País, como a política educacional, a produção de tecnologia, a modernização dos tributos, a reforma da Previdência, a integração global e a gestão do ambiente. A contribuição do PT em todas essas áreas foi próxima de zero, negativa em vários aspectos, e nada melhor que isso apareceu no programa do candidato Fernando Haddad. O candidato Jair Bolsonaro pelo menos admitiu a existência de alguns problemas graves, como a dívida pública muito alta e o desajuste da Previdência. Mas sua campanha foi assustadora em alguns momentos – por exemplo, quando reduziu o debate sobre a questão educacional a um indigente discurso ideológico.
Educação é componente fundamental da vida econômica. Pode-se discutir a política educacional a partir de vários ângulos, mas seria tolice negligenciar sua relevância para a produção, a competitividade e a criação de empregos. Só um dos candidatos, o tucano Geraldo Alckmin, apontou de forma clara e enfática a importância de considerar os padrões globais.
Ele incluiu entre as metas a melhora do desempenho brasileiro no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), conduzido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre representantes de 70 países, os brasileiros têm ficado perto da 60.ª posição nas provas de linguagem, matemática e ciências.
Durante a longa gestão petista a educação fundamental nunca foi prioritária. O grande objetivo, com retorno eleitoral muito mais seguro, foi sempre facilitar o acesso a faculdades. Uma pesquisa recente apontou a existência de 38 milhões de analfabetos funcionais. É fácil entender a escassez de mão de obra qualificada e até qualificável, assim como os baixos níveis de produtividade e competitividade.
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Poder de competição depende também de outros fatores, assim como a capacidade de geração de empregos. Infraestrutura decente, sistema tributário adequado, financiamento farto e barato, segurança jurídica e burocracia sem grandes entraves são componentes importantes desse conjunto. Nada disso é possível sem orçamento flexível, administração pública eficiente e contas oficiais em ordem. Nenhum desses pontos ficou claro nos programas dos candidatos.
Infraestrutura decente depende de cooperação entre os setores público e privado e, em certos casos, da capacidade de investimento do governo. Aumentar o investimento governamental é uma fantasia, quando o déficit nominal do setor publico é próximo de 7,5% do produto interno bruto (PIB).
Para mudar esse quadro será preciso gerar superávit primário, isto é, uma sobra para liquidar a conta de juros. Sem isso, o déficit nominal continuará elevado e a dívida pública, já próxima de 80% do PIB, seguirá crescendo. Para refinanciar todo ano uma dívida desse tamanho o Tesouro toma um enorme volume de empréstimos no mercado financeiro, concorrendo de forma desigual com as empresas. Nessa situação, os juros nunca serão tão baixos quanto nos países mais bem administrados e com melhor nota de crédito soberano.
Os petistas parecem nunca haver entendido esses fatos e continuaram falando sobre os juros como se dependessem de uma ordem do presidente. No governo da presidente Dilma Rousseff, a contenção política dos juros acabou resultando em explosão de preços. A assessoria de Jair Bolsonaro entende esses fatos, mas sua proposta de ajuste das contas públicas permanece obscura.
Privatizações podem tornar o governo mais ágil e a economia mais eficiente, mas são insuficientes para arrumar a dívida pública. O dinheiro arrecadado com as vendas pode reduzir o passivo, mas o endividamento voltará a crescer se o dia a dia continuar desequilibrado. O conserto das contas dependerá de outros fatores, com destaque para a reforma da Previdência. Uma das ideias do candidato Bolsonaro é implantar logo o regime de capitalização – um lance muito arriscado, segundo vários analistas.
Um governante sério estimulará contatos de sua equipe com especialistas conhecidos e respeitados, como Paulo Tafner, autor de uma complexa e cuidadosa proposta de reforma, e Fabio Giambiagi, veterano estudioso dos problemas da Previdência.
Em relação à reforma tributária, a referência mais óbvia, pelo menos para quem acompanha regularmente esses debates, é a proposta apresentada pelo economista Bernard Appy. Há, naturalmente, outros especialistas preparados para acrescentar detalhes interessantes. O sistema tributário é claramente desatualizado. Além de regressivo, é pouco funcional, por incidir pesadamente sobre a produção e sobre o investimento e reduzir o poder de competição internacional.
As mudanças defendidas pelos candidatos têm muita pirotecnia e pouca avaliação prática. Um lado valoriza a simplificação dos tributos. O outro, a justiça. Mas nenhum dos dois desenhos passou pelo exame crítico dos efeitos sobre as contas públicas e a economia.
Quanto à diplomacia, um lado propõe a continuação do fracassado e custoso terceiro-mundismo petista, com laivos bolivarianos. O outro se inspira no trumpismo. Uma das figuras próximas do candidato Bolsonaro falou em abandono do Acordo de Paris sobre o clima. Conselheiros desse tipo comprometem qualquer governo.
Nenhum país precisa de um imitador de Trump ou de uma encarnação mediúnica de Lula, o presidiário ligado à maior pilhagem realizada contra o Estado brasileiro. Pensar nesses dados será um bom começo para o eleito, seja quem for.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 28/10/2018