O mercado de trabalho continua a emitir sinais de vida. Após chegar a 13,7% no primeiro trimestre deste ano, a taxa de desemprego caiu para 12,6% no trimestre encerrado em agosto, redução de 14,2 milhões para 13,1 milhões de desempregados.
Como notei na semana passada, parte disto reflete o padrão sazonal favorável, mas, corrigindo os dados para levar este fator em consideração, estimamos que o desemprego sazonalmente ajustado tenha caído de 12,9% em março para 12,5% em agosto, indicando que cerca de metade da queda resulta de melhora genuína do mercado de trabalho.
Nota-se também que isso ocorreu apesar de aumento considerável da oferta de trabalho. À parte o crescimento da população em idade ativa (PIA), fenômeno demográfico, houve também elevação da proporção de pessoas na PIA engajadas no mercado, de 61,6% para 61,8%, o maior valor da (curta) série histórica.
Não parece muito, mas considerando que a PIA representava algo como 167,5 milhões de pessoas em março (e 168,5 milhões em agosto), a elevação equivale a uma oferta adicional de 423 mil trabalhadores.
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Houve, no entanto, criação de 1 milhão de postos de trabalho no período, ou 1,6 milhão em termos dessazonalizados, permitindo não só a absorção dos que ingressaram no mercado, como também a queda do desemprego, desempenho surpreendente, se levarmos em conta a recuperação modesta da atividade e a defasagem usual entre o aumento da produção e a resposta de emprego. Ainda assim, há motivos para preocupação.
Sazonalidade à parte, não houve geração de empregos com carteira assinada no período. O grande aumento veio do emprego por conta própria (pouco mais de 730 mil postos), seguido pelos trabalhadores sem carteira assinada (pouco menos de 580 mil) e, num distante terceiro lugar, pelo emprego no setor público (190 mil).
É verdade que o emprego formal tem representado pouco menos de 40% da ocupação no país, enquanto o trabalho por conta própria chega perto de 25%, e o informal, em torno de 12%, bem próximo do emprego público. Todavia, trata-se da modalidade em geral associada a salários mais elevados, não só pelo status no mercado de trabalho mas também porque está ligada a ocupações tipicamente melhores.
Nos últimos 12 meses, por exemplo, salários no setor superaram em 30% o rendimento do trabalho por conta própria e foram 65% mais altos do que os no setor informal (embora sejam 35% menores do que os no setor público, claro).
Conclui-se, pois, que a recuperação do mercado foi mais rápida do que a própria velocidade da economia indicaria, porém de pior qualidade. Talvez seja o “normal” depois de uma recessão atípica em termos de duração e profundidade, mas ilustra bem o estrago provocado pela aventura voluntarista que nos jogou nesta situação. Espero que sirva de vacina a outras tentativas, mas no fundo não acredito que o país tenha captado a lição.
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Concordo com a avaliação de Mathias Alencastro a respeito da minha coluna sobre o ajuste fiscal português, porém, confesso, não tinha notado o paralelo (em retrospecto, óbvio) com a transição FHC-Lula.
Creio que chegamos a um denominador comum: sem garantir a estabilidade, não há como programar políticas sociais, mais uma lição que eu apreciaria ver aprendida, sem, contudo, muita esperança.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 04/10/2017.
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