O Podcast Rio Bravo conversou com o economista Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. Na entrevista, Zylberstajn comenta o cenário de recuperação econômica no país, dando ênfase para a consolidação do emprego. O economista destaca a importância de 2017 para essa retomada. “O ano passado foi de estabilização do mercado de trabalho. Agora em 2018, nós devemos ter uma redução mais visível do desemprego”. Ao analisar o impacto da reforma trabalhista, Hélio Zylberstajn ressalta seu principal feito até o momento: a melhoria das condições do mercado de trabalho. “Na minha avaliação, o objetivo da reforma é o de corrigir algumas distorções nas práticas trabalhistas e não a criação de empregos”.
Rio Bravo: Duas pesquisas recentes indicam um cenário esperançoso para a economia brasileiro nesse início de 2018. Primeiro, o Instituto Datafolha trouxe um levantamento que apontava que o pessimismo na economia alcançou o menor índice em três anos. O outro dado, de acordo com o IBGE desta vez, era que a indústria mostrou reação, sobretudo a indústria automobilística. Minha primeira pergunta é a seguinte: a conjuntura do país se mostra mais favorável ou mais desfavorável para uma retomada robusta da economia agora em 2018?
Hélio Zylberstajn: Nós já estamos no processo de retomada. A economia vem se recuperando nos últimos meses, o desemprego parou de subir, está começando a cair e os economistas convergem numa previsão de crescimento do PIB em torno de 3%. Alguns são até mais otimistas e chegam a falar em 3,5%. Então, nós estamos num processo de reversão da recessão. Nós estamos já crescendo em termos de atividade econômica. Não há dúvida sobre isso. 2018 vai ser um ano de crescimento.
+ E agora? Há futuro para a justiça do trabalho?
Rio Bravo: Falando ainda nesse levantamento, a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio divulgou que a taxa de desemprego, corroborando esse último dado que o professor trouxe, foi de 11,8% no último trimestre de 2017. Com base não só nesses dados, mas pensando também no resultado geral do ano passado, é correto afirmar que 2017 foi um ano de virada no que concerne o mercado de trabalho em especial?
Hélio Zylberstajn: Foi o ano de estabilização do mercado de trabalho. Foi o ano em que o desemprego parou de crescer, estabilizou e agora a gente deve ter uma redução no desemprego mais visível. O dado da Pnad mostra uma redução no último trimestre de 2017 de 0,2 pontos em relação ao último trimestre de 2016. A gente precisa lembrar que 2017 começou com desemprego ascendente. Nós chegamos quase a 14% no primeiro trimestre de 2017 e fechamos o ano em 11,8%. Foi um ano que cresceu no começo o desemprego e ele foi caindo ao longo de todo o ano e deverá continuar a cair agora em 2018. Então, não há dúvida. O ano de 2017, acho que a melhor palavra para descrever o que aconteceu no mercado de trabalho, foi um ano de estabilização do desemprego.
Rio Bravo: Um tópico relacionado a essa questão do desemprego, pelo menos que alguns analistas têm enfatizado nessa direção, tem a ver com a Reforma Trabalhista, sobretudo porque ela foi aprovada no ano de 2017 e entrou em vigor no final do ano passado. Há de fato quem estabeleça uma conexão entre uma resiliência — se a gente puder chamar assim — do desemprego e a implementação da reforma. Pensando em números específicos do mês de dezembro, quando houve um avanço na taxa do desemprego, em que medida essa correlação faz sentido?
Hélio Zylberstajn: Não faz nenhum sentido. A Reforma Trabalhista entrou em vigor no dia 11 de novembro. Mesmo que ela tivesse algum efeito, não teria dado tempo para esse efeito se manifestar. Em segundo lugar, na minha avaliação, ao contrário do que o governo diz, a Reforma Trabalhista não vai criar empregos. Ela vai melhorar o funcionamento do mercado de trabalho, principalmente na área da Justiça do Trabalho. O objetivo da reforma é corrigir algumas distorções nas práticas trabalhistas, e não a criação de emprego. É um grande equívoco tentar correlacionar a Reforma Trabalhista com qualquer aspecto recente do mercado de trabalho. O impacto imediato que a Reforma Trabalhista teve — isso é verdade, os números mostram – é na Justiça do Trabalho, porque a maior parte das medidas da Reforma Trabalhista foi na correção de práticas históricas na Justiça do Trabalho. Era muito simples fazer uma reclamação inconsistente e inconsequente e não havia nenhuma penalidade em relação a isso. A litigância de má fé era corriqueira, era a regra geral. Eu tive um estagiário há algum tempo atrás que estagiava num grande banco e, como ele queria trabalhar um pouco menos, porque esses estágios em bancos, na área financeira e mesmo na área empresarial, exigem uma jornada muito grande dos estagiários, inclusive de forma ilegal. Ele queria se preparar para fazer um exame de seleção para a pós-graduação, então ele pediu a demissão daquele estágio e veio trabalhar aqui na Fipe, onde a gente obedece a legislação. Nosso estágio é de quatro horas por dia, então o estudante tem tempo para estudar e para fazer suas obrigações. E ele me contou, quando ele começou a trabalhar comigo, que quando ele saiu desse grande banco recebeu três telefonemas de três advogados sugerindo que ele entrasse com um processo trabalhista contra aquele banco. Ele disse para os três que não tinha nada a reclamar, que tudo o que o banco devia para ele tinha sido pago, que estava tudo OK, e os três diziam para ele: “Mas reclama, porque alguma coisa você sempre consegue”. Essa é a prática que nós tínhamos antes da Reforma Trabalhista. Isso causa uma insegurança enorme. O passivo trabalhista é uma coisa desconhecida para as empresas. É verdade que existem maus patrões, mas para o bom patrão a prática na Justiça Trabalhista era essa, você não sabe o que vai te acontecer a cada desligamento. Isso foi corrigido pela Reforma Trabalhista e o dado que a gente tem… Eu tenho acompanhado, e hoje é mais fácil de fazer isso, porque todos os Tribunais Regionais divulgam o número de novas ações. Eu coletei o número de novas ações mês a mês em 2016 até novembro de 2017. É o último dado que a gente dispõe. Os dados são muito interessantes. De janeiro a setembro de 2017, houve no total 6% menos reclamações do que de janeiro a setembro de 2016. Quer dizer, 2017 foi um ano menos litigioso, porque o grande número de demissões já tinha ocorrido em 2016. Em outubro, o número de reclamações passou a ser 10% maior em 2017 comparando com 2016. Em novembro, 30% maior. Quer dizer, houve uma corrida à Justiça do Trabalho. Por que houve corrida à Justiça do Trabalho? Porque esses reclamantes queriam garantir que a reclamação deles seria tratada com as regras antigas, então eles correram. Isso indica, e os números quando ficarem disponíveis, nós vamos ver sem dúvida que dezembro e os meses subsequentes agora em 2018 vão registrar um número muito, muito menor de reclamações trabalhistas. Quer dizer, a questão trabalhista vai deixar de ser resolvida com tanta frequência na Justiça do Trabalho. Esse é um passo importantíssimo. Esse é um grande impacto da Reforma Trabalhista que já está acontecendo. Os outros são especulativos, nós não temos o impacto ainda e eu tenho certeza que não vão ser esses impactos que muita gente está prevendo.
Rio Bravo: Na sua avaliação, professor, em que medida essa correção em termos da Justiça do Trabalho favorece o ambiente econômico? Exatamente para geração de novos empregos ou para a própria segurança jurídica?
Hélio Zylberstajn: Ela favorece exatamente por isso. Quer dizer, as empresas vão ter mais segurança de que o passivo trabalhista delas deixa de ser um ponto de interrogação. Agora, isso naturalmente vai ter um impacto muito interessante nas práticas de gestão de recursos humanos, porque a relação de trabalho é conflituosa. Ela, na essência, tem uma divergência. O empregado quer ganhar mais e a empresa quer pagar menos. Na essência da relação há essa divergência, esse conflito. Há também dimensões de cooperação, porque uma empresa quando vai bem e os empregados produzem, a empresa se torna lucrativa, se expande e o emprego fica mais garantido. Então, há também elementos de cooperação, mas na base da relação existe esse conflito. Durante décadas, a gente tratou esse conflito na Justiça. Com a Reforma Trabalhista não vai se poder ir à Justiça, pelo menos do jeito como a gente estava habituado a ir. Mas a divergência não vai desaparecer, ela continua, então nós vamos ter que encontrar formas de tratar essa divergência. Muito provavelmente essas divergências vão ser tratadas na origem. Ou seja, dentro da empresa. Isso vai ensejar oportunidades para que se estabeleça um clima de diálogo, um clima onde as reclamações possam ser feitas sem retaliação. E elas vão ser examinadas e vão ser encaminhadas como em todo o mundo. Em nenhum lugar nós temos um uso tão disseminado do litígio da Justiça como no Brasil para tratar das questões trabalhistas. Então, nós vamos ter provavelmente uma melhora na qualidade da relação de trabalho. Isso, com o tempo, vai impactar no ambiente de trabalho, na produtividade. Tudo isso vai ter um impacto positivo para a economia.
Rio Bravo: Pensando no ambiente do emprego agora em 2018, onde é que as vagas podem aparecer?
Hélio Zylberstajn: Eu diria que as vagas vão tender a aparecer nos segmentos que mais sofreram com a recessão. O primeiro segmento que começou a sofrer com a recessão foi a indústria e logo depois veio a construção civil. Se a gente vai retomar a atividade econômica, eu imagino que esses dois setores vão ter um desempenho bem melhor do que vinham tendo antes. De fato, os primeiros números já estão mostrando. A indústria já está recuperando o emprego e a construção civil teve uma redução muito grande na queda do emprego, então eu imagino que esses dois setores vão ter um desempenho melhor esse ano. E, é claro, o grande absorvedor de mão de obra no Brasil já há duas ou três décadas é a área de serviços e de comércio. A recuperação também vai melhorar o desempenho desses dois setores. Mas eu diria que a coisa vai realmente começar e a gente vai perceber mais na indústria e na construção civil.
Rio Bravo: E em termos de regulamentação, isso vai estar mais próximo, esse emprego, da formalidade ou da informalidade? Alguns números apontam que a informalidade pode crescer agora em 2018. Qual é a sua avaliação a respeito?
Hélio Zylberstajn: A informalidade tem crescido. A recuperação do emprego nesses últimos meses se deu na informalidade. Só para você ter uma ideia, nós tivemos ao longo de 2017 um crescimento na força de trabalho de 1,8 milhão pessoas. Quer dizer, 1,8 milhão novos trabalhadores chegaram ao mercado de trabalho e o emprego cresceu em 1,8 milhão postos, então houve uma absorção muito grande das pessoas que chegaram ao mercado de trabalho. Isso não acontecia há algum tempo. Quer dizer, o mercado de trabalho se mostrou capaz de não deixar crescer o número de desempregados. Ele absorveu o fluxo que está chegando. Só que a grande parte desses empregos novos foram criados nas categorias informais. Isso é um lado ruim do que a gente está vendo nesse momento. O emprego sem carteira, o trabalho por conta própria, isso tudo é que tem crescido nesse momento. Mas ao longo do ano, a previsão que eu faço é que nós vamos observar um crescimento no emprego formal maior do que no emprego informal. A formalidade deve crescer em 2018.
Rio Bravo: Por que apesar da retomada da economia a geração de empregos não vai ser equivalente à da década anterior? Existe um fator relacionado à conjuntura internacional que impacta nisso, certo?
Hélio Zylberstajn: Sem dúvida. Embora o governo que na época cuidava do Brasil dissesse que o crescimento do emprego era obra dele — eu estou falando da administração Lula e Dilma –, na verdade o grande autor, o grande responsável pelo crescimento do emprego foi a China. A China cresceu a um ritmo alucinante no início desse século. Isso fez com que todos os países que produzem matéria-prima e que produzem commodities crescessem juntos, porque a China aumentou a demanda. Não foi só o Brasil, toda a América Latina se beneficiou do crescimento chinês. Isso não vai se repetir. A economia internacional está crescendo, mas não no ritmo alucinante que a gente viu. O crescimento que a gente viu no começo do século não vai se repetir. O Brasil vai crescer, mas não a taxas chinesas. O nosso emprego vai crescer, mas moderadamente. Agora, uma questão muito importante é se o crescimento que a gente vai observar a partir de agora será um crescimento permanente, contínuo ou se será de novo um voo de galinha, como a gente tem visto há muito tempo. Isso vai depender muito do que vai acontecer nesse ano em termos das finanças públicas e, portanto, vai depender muito da nossa capacidade de promover a reforma da Previdência. O problema fiscal no Brasil tem um nome e se chama Previdência Social. O Brasil gasta 12% do PIB com aposentadoria. Os países escandinavos e a Alemanha gastam nesse nível com benefícios de aposentadoria. Um país ainda jovem como o Brasil gasta exageradamente com suas aposentadorias e a gente precisa controlar isso. Se nós conseguirmos fazer a reforma da Previdência, o ambiente se torna mais confiável, o investimento vai retornar e aí o nosso crescimento poderá ser mais contido, mas se nós não conseguirmos avançar no equacionamento da questão fiscal, esse crescimento em breve reverterá em nova recessão ou talvez em inflação com recessão.