*com Renato Fragelli
A previsão de que a inflação finalmente atingirá 4,5% este ano tem levado alguns analistas a defender a redução da meta a ser fixada para 2019. Uma análise cautelosa da grave situação atual, porém, recomenda outras prioridades.
A boa teoria e a evidência empírica ensinam que a taxa de crescimento de longo prazo de um país não é afetada pelo nível de inflação nele observado. Diante de uma inflação estabilizada em torno de um patamar conhecido, os agentes – empresários, sindicatos, etc. – incorporam às suas decisões econômicas o ritmo de crescimento dos preços, de modo que não faz diferença se a inflação estabilizou-se num patamar baixo, como 2% ao ano, ou num alto, como 8%. Políticas expansionistas que buscam maior crescimento sacrificando o controle inflacionário podem, no máximo, gerar algum crescimento adicional no curto prazo, mas são inexoravelmente seguidas de recessões quando se torna necessário impedir que a inflação continue a subir.
Para o cidadão comum, quanto mais alta a inflação maior o desconforto por ela gerado. Mas, como visto acima, o incômodo de conviver com a inflação não vem acompanhado de mais crescimento. Isto posto, não seria o caso de reduzir a inflação ao mínimo, aproximando-a do observado nos países mais avançados? Em condições normais, a resposta seria positiva. Mas o Brasil atual não se encontra em tais condições.
Se a meta de inflação for reduzida, o Banco Central será forçado a diminuir a velocidade de queda da taxa de juros. Como consequência, famílias e empresas endividadas terão que esperar mais tempo para voltar a aumentar o consumo e o investimento. A retomada da economia virá mais lentamente. Os desempregados, que já beiram a dramática cifra de 12% da população ativa, terão que aguardar mais tempo para se reempregarem. O custo financeiro da dívida pública, cujo estoque saltou alarmantes 20% do PIB em apenas três anos, cairá mais vagarosamente. As receitas fiscais, que despencaram 10% em termos reais nos três níveis de governo, se recuperarão mais lentamente.
Vale lembrar que a rápida queda da inflação, observada após o afastamento de Dilma, não resultou somente da política monetária executada por um BC com credibilidade, mas beneficiou-se muito da grande valorização cambial, que reduziu a taxa de R$ 4,15 em janeiro de 2016 para R$ 3,12 em apenas um ano. Diante da atual perspectiva de subida da taxa de juros internacional e redução da taxa de juros doméstica, não é razoável esperar uma entrada de capitais à frente tão grande a ponto de gerar nova queda significativa da taxa de câmbio. Isto significa que a redução subsequente da inflação será mais difícil, dependendo muito mais da política monetária e manutenção do desemprego.
A situação fiscal de longo prazo do país é calamitosa. Mesmo com aprovação da reforma da previdência. Estados e municípios são uma fonte de desequilíbrios permanente. A Constituição não permite queda de salários nominais. A manutenção da inflação em torno da meta atual de 4,5% é a forma menos ruim para se lidar com essa realidade. Diante de um desequilíbrio causado por aumentos salariais insustentáveis, concedidos no passado por prefeitos e governadores irresponsáveis, a inflação em 4,5% permite aos governantes atuais diluir salários reais impagáveis, bastando para isso não dar correções nominais.
Não há estudos confiáveis no Brasil a respeito do impacto negativo de recessões profundas sobre o crescimento de longo prazo. Mas é certo que empresas com grande capacidade ociosa desmobilizam equipes que, após a superação da recessão, levarão anos para serem remontadas. Profissionais demitidos de setores onde acumularam larga experiência quando conseguem se recolocar o fazem em outros setores, gerando permanente perda de expertise. Interromper esse processo autodestrutivo é urgente. Tendo a inflação atingido a meta, a prioridade deve ser abreviar a mais profunda recessão que assolou este país em sua história.
Outro aspecto a ser considerado é que uma inflação muito baixa leva a taxas nominais de juros igualmente baixas. Diante de um eventual futuro choque negativo de demanda, como o do subprime em 2008, partindo-se de uma taxa nominal de juros baixa, o espaço para o uso da política monetária contracíclica seria menor. Com uma dívida pública em nível elevadíssimo, também não haveria espaço para se adotar uma política fiscal anticíclica. O que se faria numa situação dessas?
Uma taxa de inflação de 4,5% facilita a mudança de salários relativos, permitindo a preservação do emprego nos setores tradicionais com lento avanço de produtividade, bastando para isso não corrigir salários nominais. Corrigir a causa desse lento avanço da produtividade deve ser a grande prioridade, não a redução de uma inflação que já deixou de ser alta.
Mais importante do que baixar ainda mais a inflação, algo que seria muito custoso diante da profunda recessão atual, é acelerar reformas estruturais abandonadas durante os anos petistas. Na área do BC, a prioridade deve ser a implantação de reformas institucionais e microeconômicas que levem à redução do spread bancário. Igualmente importante é redução do crédito direcionado para setores específicos, política que solapa a eficácia da política monetária, elevando o juro neutro da economia. Finalmente, a adoção em lei da independência operacional do Banco Central reduziria notavelmente o custo de políticas anti-inflacionárias. A agenda é longa.
Fonte: “Valor econômico”, 15 de fevereiro de 2016.
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