Na Grécia continuamos no aguardo de algo mais definitivo sobre a situação do país. Depois de vários movimentos contraditórios do governo Tsipras, envolvido entre ser político de esquerda e se colocar contrário ao ajuste recessivo necessário, visando sua sobrevivência política, e ser pragmático, aceitando o ajuste e se mantendo na Zona do Euro, talvez afetando sua sobrevivência política, optou-se por esta última opção, mesmo com nuances.
Na semana passada importantes avanços foram observados, mas nada definitivos. Não dá para dizer, em se tratando de Grécia, que o pior já passou e o país helênico já esteja “moldado” para ser bem aceito no bloco europeu. Longe disto. O país ainda é um “estranho no ninho” em relação aos seus irmãos europeus, principalmente, para a Alemanha, devido ao seu regime fiscal caótico, uma dívida pública de 320 bilhões de euros, 177% do PIB, para muitos, insustentável no longo prazo, um empreguismo público descontrolado, 20% da população ativa, e um mergulho recessivo de difícil prognóstico. O PIB da Grécia já recuou 25% desde 2010, sua taxa de desemprego passa de 25% da PEA e chama atenção o desemprego entre os jovens, 50% da PEA, bem acima do resto da Europa.
Na verdade, ou o premiê grego cedia ou a saída do bloco acabaria inevitável. Num breve balanço os gregos bateram pé sobre as imposições dos credores e convocaram um referendum rejeitando o programa de austeridade. Foi uma vitória do povo grego, contrário aos arrochos recentes, com 61% votando pelo “não” (oxi) ao ajuste. No entanto, na mesma intensidade, se mostrou favorável a se manter na Zona do Euro. Ou seja, os gregos querem os benefícios de fazer parte deste “clube exclusivo”, mas sem as obrigações inerentes ou a renda para tal.
Num primeiro momento, o ajuste defendido pelos credores era de 50 bilhões de euros. Depois, no entanto, superado o referendum, o governo grego acabou capitulando a aceitando um programa de resgate, agora estimado em 86 bilhões de euros, condicionado a um ajuste fiscal de 13 bilhões de euros e um amplo programa de privatizações, de 50 bilhões de euros. Por estes dias, anunciou-se um novo programa de resgate, sendo 7,2 bilhões de euros liberados para o pagamento ao FMI (2,0 bilhões de euros) e ao BCE (3,5 bilhões de euros), inclusive como condição para a reabertura dos bancos a ocorrer nesta segunda-feira. Façamos então algumas reflexões breves sobre esta tragédia que transformou este lindo país do Mediterrâneo.
Realidades distintas – Numa análise sobre a realidade dos 19 países membros da Zona do Euro, incluindo a Grécia, fica complicado pensar em realidades históricas, institucionais, econômicas, tão distintas. A Grécia, por exemplo, possui um regime fiscal muito complicado para se moldar ao Tratado de Maastricht, por exemplo, um esforço na criação de uma “convergência macroeconômica para a Europa”. Em verdade, vive-se no velho continente o que chamam de “euroesclerose”, pela qual o modelo de seguridade social está em colapso, devido aos excessos de direito e poucas obrigações dos trabalhadores de alguns países da região, existente desde a “Era Dourada” dos anos 50. Isto acabou resultando numa maior rigidez no mercado de trabalho, tornando difícil a contratação de jovens. Nos chamados “países periféricos”, que aqui incluímos Espanha, Portugal, Itália e Grécia, a taxa de desemprego passa de 20% da PEA, pela crise atual, mas também pelos regimes previdenciários e trabalhistas muito paternalistas, que só geram custos elevados na contratação de trabalhadores. José Roberto Mendonça de Barros, por exemplo, em artigo recente na imprensa, acha a Zona do Euro, um sonho dos anos 50, inviável no longo prazo, dadas as diferenças entre países da região.
Crescimento econômico – Mesmo com críticas aos modelos de austeridade impostos pelos credores aos países da região, depois dos excessos fiscais gerados em resposta a crise de 2008, o que podemos observar pelo gráfico ao fim é uma lenta retomada do crescimento, capitaneada pela Espanha e tendo a Alemanha como “puxador”. Sem dúvida. Como a Alemanha já fez todas as reformas estruturais possíveis nos anos 90, depois da unificação com a Oriental, seus ganhos de produtividade e de competitividade são muito maiores do que o restante da Zona do Euro e ainda maiores do que os “países periféricos”. No gráfico a seguir, o que se observa é a Grécia totalmente descolada do resto da Europa, devendo registrar uma taxa negativa de crescimento neste ano. A Alemanha e a Espanha devem crescer entre 1,5% e 2,0%.
Dívida grega impagável– Para tentar superar o caos fiscal de uma dívida pública que de 120% do PIB em 2010 foi a 177% neste ano, o ajuste fiscal anunciado precisa ser efetivo. Lembremos que em Portugal a dívida pública também é alta, em torno de 130% do PIB, na Espanha em 98% e na Itália 132%. A diferença é que estes países estão fazendo o seu dever de casa, as reformas estruturais necessárias, estão saneando suas finanças. A Grécia até avançou, mas insuficiente diante da situação existente. Um desafio seria obter um abatimento para a dívida pública, em consenso, insustentável no longo prazo. Fala-se num haircut, a chegar a 30% sobre o total, segundo alguns observadores. A Alemanha, principal credor, se coloca contrária, defendendo um período com a Grécia fora da Zona do Euro (timeout), talvez por cinco anos, até que o país se aprume e se torne viável para os padrões de “governança” da região.
No pacote fiscal aceito pelos credores na semana passada, a meta de superávit primário foi definida em 1% do PIB neste ano, 2% em 2016, 3% em 2017 e 3,5% em 2018. Haveria uma elevação do IVA a 23% para os restaurantes, permanecendo isento para o ramo hoteleiro, já que o turismo representa mais de 16% do PIB da região. Somam-se a isto, cortes de previdência e no orçamento da defesa. Tudo, no entanto, não passa por ora de boa intenções. Resta saber se serão factíveis no longo prazo.
Comentários finais – Sinceramente, não achamos que a tragédia grega tenha sido superada. Os problemas por lá são por demais profundos, estruturais, para que medidas “localizadas” se tornem efetivas. O que se tentou agora foi “criar uma ponte de financiamentos para o médio prazo”, mediante o compromisso do governo atual realizar o ajuste. Aliás, depois de tantas idas e vindas, tanta retórica, como o referendum contra a austeridade e depois um pacote ainda mais duro, fica difícil prever se o premiê Tsipras conseguirá se manter no poder por muito mais tempo. Este, aliás, é um ponto a ser ressaltado.
A instabilidade política, gerada por estes duros programas de ajuste implementados na região, fez surgirem grupos radicais, tanto à esquerda como à direita, colocados como “salvadores da pátria”. Na Espanha temos os radicais de esquerda do Podemos, na França, a Frente Nacional da família de Jean-Marie Le Pen e na Grécia, o Syriza. Todos, no entanto, acabam batendo de frente com a realidade dura da economia em deterioração fiscal e a necessidade de um “freio de arrumação”. Nada mais educativo e elucidativo. Como bem disse o ministro da Economia da França, Emmanuel Macron,
“o discurso de solidariedade deve vir acompanhado do discurso de responsabilidade. É preciso uma agenda de convergência econômica, fiscal, de mercado de trabalho, um modelo social e políticas de solidariedade”.
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