Merece elogios o primeiro discurso da presidente eleita. Por ele, as agências regulatórias serão autônomas (lembrar que o Banco Central é uma delas), a expansão do gasto público deverá ser sustentável, o câmbio continuará flutuante e não se dará trégua a inflação.
Acontece que o foco das expectativas estará no crescimento. Por mais que esses compromissos devam ser comemorados, eles por si sós, mesmo que cumpridos, não assegurarão uma taxa razoável de expansão do PIB nos próximos anos.
O crescimento requer um conjunto amplo e complexo de condições, que se formam ao longo de anos. Implica a combinação desses elementos: o investimento, a incorporação de mão de obra ao processo produtivo e os ganhos de produtividade.
A produtividade é o ponto central. Resulta da inovação – que gera novos bens e serviços ou novas formas de produzi-lo eficientemente – e de mudanças institucionais que diminuem incertezas, reduzem custos de transação e elevam a eficiência da atividade econômica.
A educação, crucial para a inovação, é um de nossos problemas. Sua qualidade é baixa e uma melhoria não depende de mais gastos, como se apregoa. Tem a ver fundamentalmente com gestão.
A produtividade costuma decorrer de reformas e políticas públicas de períodos anteriores. É o caso do agronegócio brasileiro, cuja eficiência e pujança se devem essencialmente ao trabalho da Embrapa, criada em 1973.
Quando é baixa, a produtividade se explica por más políticas públicas, que inibem a inovação e geram ineficiências. Foi assim na instabilidade dos anos 1980, em grande parte decorrente da exaustão e das distorções do modelo de desenvolvimento autárquico e centrado no estado.
Vale repisar: Lula colheu os frutos de plantios anteriores. Seu mérito – enorme diante de suas anteriores visões de mundo – foi não interromper a política econômica. Evitou o mau tempo que prejudicaria a lavoura, mas pouco fez para fincar novas plantações.
Dilma assumirá em meio a uma onda de investimentos privados que impulsionarão o crescimento, mas a um ritmo bem menor do que o do período recente. Dificilmente ela contará com a expansão da economia mundial que bafejou a sorte de Lula. Nuvens negras se formam no horizonte internacional.
Seu grande desafio está nas reformas que Lula deixou de fazer. Trata-se de mudanças complexas que não dependem apenas de vontade política, como muitos supõem. Exigem liderança política e, assim, capacidade de mobilizar apoios e enfrentar grupos de interesse. Não deverão acontecer na escala necessária.
Mesmo sem reformas, há espaço para ações que reduzem incertezas e aumentam a produtividade. Exemplo: reverter a grave deterioração fiscal patrocinada pelo Ministério da Fazenda. Afora o aumento injustificável de gastos, o uso de artifícios e mágicas contábeis minou a transparência, a previsibilidade e a confiança na gestão fiscal.
No campo da produtividade (e, portanto, da competitividade), o maior potencial de ganhos imediatos está na infraestrutura. O PAC está a léguas de distância de constituir a solução. Quando funciona bem, o que não tem sido o caso, o programa investe menos de 1 % do PIB. É pouca pólvora para o canhão do crescimento.
Será preciso se despir de preconceitos ideológicos e atuar agressivamente na criação das condições para um surto de investimentos privados em rodovias, ferrovias, vias fluviais, portos e aeroportos. As deficiências dificultam a operação da logística. Para se ter uma ideia, há produtos agrícolas que custam mais para ser transportados do que para ser produzidos.
Haverá que abandonar o modelo de “modicidade tarifária”, que mirou mais objetivos políticos do que o compromisso com a oferta adequada de serviços de infraestrutura. Será necessário aprovar marcos regulatórios confiáveis, assegurar a autonomia das respectivas agências e nomear seus integrantes pelo critério exclusivo do mérito.
Maior desafio será a reforma tributária, nossa grande fonte de ineficiências e distorções. A complexidade é enorme. É pouco provável que ocorra na dimensão que se espera. Mas o reconhecimento das dificuldades será fundamental para traçar uma boa estratégia e obter alguns avanços. Este será o tema do próximo artigo.
Publicado na Revista “Veja”
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