Dados divulgados apontam que o projeto de lei da reforma da Previdência dos militares, separado da proposta principal em tramitação no Senado, terá gastos maiores do que calculado anteriormente. Além de mudar as regras previdenciárias, o texto conta com reestruturação de carreiras, aumento de salários e gratificações para a categoria. Apesar da medida não retirar a necessidade de uma Nova Previdência para o Brasil, ela lança o debate: como corrigir privilégios e evitar distorções?
Em entrevista ao Instituto Millenium, o advogado especializado em Direito de Estado e conselheiro do Imil, Sebastião Ventura, destacou que, após a promulgação da Constituição de 1988, vários grupos de pressão e corporações organizadas passaram a criar espécies de “feudos normativos dentro do ordenamento brasileiro”, instituindo benefícios específicos para as categorias. Isso gerou um efeito que hoje se mostra perverso: o Estado não tem como sustentar o aumento dos gastos.
“A questão é essa. Haverá vontade política para equalizar interesses contrapostos, e, dessa forma, vamos conseguir criar um sistema mais igualitário e equitativo possível?”, disse, destacando que a reforma é necessária, dada a falência do atual regime. “Temos que mudar estas regras e colocar o sistema dentro de uma lógica mais razoável e racional, que obedeça à equação lógica de custo e benefício. Não se pode onerar o poder público com direitos que se mostram impagáveis”, destacou.
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Entenda a tramitação da reforma da Previdência
Sobre a questão específica dos militares, Ventura destacou que há uma base constitucional para o regime especial de Previdência para os militares. O caminho para isso está estabelecido no inciso 10 do artigo 142, que pontua as regras de ingresso no serviço. “Há uma previsão de que os militares devam ter um regime especial, à luz das peculiaridades da sua carreira. A questão é que isso começa a colocar no enredo político uma série de outras categorias, que também se julgam no direito de ter regramentos especiais por conta de suas particularidades”, disse, apontando para o risco de os parlamentares, na ânsia de resolver o problema principal, cederem às pressões corporativas.
O advogado destacou, ainda, que a longevidade, a qualidade de vida, as condições e relações de trabalho mudaram muito com o passar do tempo. “Temos que colocar isso na mesa. Não se trata de grupos organizados afirmarem que a Constituição dá direito a isso. A questão vai além, é levar o justo e legítimo interesse nacional na composição desses interesses. A questão é se vamos ter parlamentares decididos a olhar o Brasil com todas as complexidades que isso envolve ou se, mais uma vez, vamos cometer o erro de criar legislações casuístas”, disse, considerando que as regras atuais levaram a uma feudalização remuneratória.
“Isto não para em pé. Ao longo da curva, gera aumento da carga fiscal ou do endividamento público, e nós temos que estancar essa sangria. E a minha dúvida é essa: será que o futuro vai repetir o passado e a legislação, que deveria representar o interesse público nacional, vai representar alguns interesses? A questão está aberta, a reforma não foi fechada e as pressões são muito fortes”, destacou Ventura.