* Por Caio Augusto e Arthur Solow
Foi anunciado de forma oficial o projeto de reforma previdenciária do governo Bolsonaro em 20/02/2019. Aumento de alíquota de contribuição para o setor público, aumento de tempo de contribuição, maior equilíbrio no dispêndio (quem ganha menos pagará menos) e algumas outras injustiças do sistema serão enfrentadas.
Evitando distorções e comentários imaginativos, sugiro que você confira a íntegra da proposta para verificar se notícias que estão sendo ventiladas tem relação real com o que está sendo proposto, como supostos “direitos que serão tirados dos mais pobres” ou qualquer outra coisa que você tenha recebido pelo WhatsApp cuja origem do conteúdo tem altas chances de ser ligado a alguma das associações dos que realmente irão perder com a reforma – aqueles do alto funcionalismo público que se aposentam com a inexplicavelmente bondosa integralidade.
Independente do regime em que se encontre, os números são negativos hoje e, se não o são, caminham para isso pela óbvia razão de que, por funcionar em regime de repartição (os que estão trabalhando transferem recursos aos que estão aposentados), há a dependência lógica e matemática de que existam mais pessoas contribuindo do que recebendo – e essa relação tem se invertido cada vez mais. Segundo o IBGE: em 1980 eram 9,2 indivíduos trabalhando para cada aposentado, hoje há proximidade com 5 e em poucas décadas serão menos de dois. Há que se alterar urgentemente o rumo disso – e, nisso, a proposta acerta em cheio.
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Injustiças entre o setor público e o setor privado também sinalizam ser corrigidas. A alíquota de contribuição do setor público deve subir para os salários maiores (chegando a 22% caso seja superior a R$39.000,00) e diminuir para os menores salários da iniciativa privada (caindo de 8% para 7,5% em faixas inferiores). Outro ponto positivo, já que proporcionalmente o setor público é o que apresenta maior déficit – porque recebe em integralidade (e não em média de salários), enquanto contribui apenas com o máximo proporcional atual, de 11%.
A capitalização aparece também na reforma, como sugestão futura. Explica-se: com ela, cada indivíduo em vez de contribuir para a aposentadoria de quem já se aposentou acumularia recursos em uma conta própria e exclusiva. Uma excelente ideia, mas que precisa ser estudada com calma em termos de transição – já que, a cada novo aderente a um regime de capitalização, temos uma pessoa a menos auxiliando no sistema atual de transferências. Uma transição deste porte deve levar um bom tempo, mas é muito positivo que se comece o mais rápido possível (novamente dada a inversão da pirâmide etária que está em curso).
Um ponto que com reforma ou sem ainda é preocupação é a informalidade. Este sistema atende a quem preenche o requisito básico do sistema, que é ter contribuição formal através de carteira de trabalho ou contribuição autônoma. Por mais que seja cheio de problemas – e pelo menos uma vez você já leu aqui que é melhor pensar em alternativas a ele desde já -, ainda tem a utilidade de fazer uma cobertura razoável no envelhecer dos brasileiros.
É preciso que se pense, juntamente a essa reforma, em dois passos importantes: a ampliação da agenda iniciada pelo Banco Central que busca deixar mais claros aspectos de educação financeira (para que a população possa se preparar melhor com essas alternativas) e a flexibilização dos termos que permitam a inclusão nesse sistema, para reduzir a informalidade e poder fornecer tal benefício a mais brasileiros. Deste modo, a reforma terá efeitos muito mais positivos em termos práticos.
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Outras dois fatores devem ser ponderados: o efeito positivo da reforma, caso aprovada do modo em que está sendo enviada (e sabemos que as casas legislativas buscarão suavizar a proposta com emendas, o que faz parte do processo), se dá pelos próximos dez anos. É um prazo bom, mas nem de longe passa a mensagem de que após essa reforma tudo estará resolvido. Ela é um passo importante, necessário, mas não único.
Esforços adicionais serão necessários para revertermos a situação e gerarmos real e sustentável crescimento e melhoria das condições do país. O segundo: aqui é o Brasil, equipe boa com ideias boas não basta, é preciso que ocorram as ações – ou alguém duvidava das capacidades técnicas da equipe de Joaquim Levy ou mesmo de Henrique Meirelles?
Em suma: reforma boa, ampla, que abarca praticamente tudo que seria necessário (ainda que deixe os militares para um segundo momento), mas que não pode ser “colocada no preço” porque ainda enfrentará enormes batalhas e, no cenário aguardado por tantos em que acaba por ser aprovada, ainda assim não representará a solução de todos os problemas brasileiros.
Nem só de expectativas positivas se fazem os avanços econômicos e a correção de injustiças que o Brasil precisa. Um dos autores deste artigo sabe muito bem disso.
Boa sorte ao governo em suas batalhas – e, principalmente, na essencial e não realizada por Temer, que é a de informar a real necessidade dessa grande mudança (indo muito além do distante “para melhorar a economia” e de encontro ao indispensável “o governo pode ficar incapaz de realizar qualquer atividade em pouco tempo caso ela não seja realizada”). O rito de aprovação começa agora, e a jornada será longa.
* Caio Augusto e Arthur Solow são editores do Terraço Econômico
Fonte: “Terraço Econômico”, 21/02/2019