SÃO PAULO – A proposta do governo para a reforma do Imposto de Renda chegou ao Congresso no fim de junho e causou alvoroço entre os investidores de fundos imobiliários (FIIs), porque previa taxar os seus rendimentos – hoje isentos de IR – em 15%. Conforme as negociações com os parlamentares avançaram, o assunto saiu da mira. Diante da resistência, o último parecer do relator do projeto, o deputado Celso Sabino, que foi apresentado na última semana e pode ser votado nesta terça-feira (10), nem menciona mais os FIIs.
No lugar deles, no entanto, o texto passou a incluir mudanças que afetam a tributação de outras classes de fundos, como de ações (FIAs), direitos creditórios (FIDCs) e participações (FIPs).
Uma das novidades está no conceito de fundos de ação, para fins de tributação. Pela legislação atual, para receber esse carimbo – e poder oferecer aos investidores uma alíquota de Imposto de Renda de 15% –, o fundo precisa manter pelo menos 67% da carteira aplicada em ações e outros papéis equiparados, como recibos de subscrição ou cotas de outros FIAs. O substitutivo apresentado por Sabino, no entanto, propõe elevar esse mínimo para 75% da carteira.
“Como o mercado flutua, muitos gestores costumam manter mais do que 67% aplicados em ações. Com o mínimo de 75%, eles precisarão aumentar a composição de ações para evitar o desenquadramento da carteira, o que pode elevar a exposição a risco do fundo como um todo”, diz Ana Cláudia Utumi, tributarista e sócia-fundadora do escritório Utumi Advogados.
Quando se desenquadram, os fundos de ações podem ser classificados, do ponto de vista tributário, como fundos de curto ou de longo prazo. É dentro dessas categorias – que têm como referência o prazo médio dos papéis que compõem a carteira – que se encaixam os fundos multimercado e de renda fixa, por exemplo.
Para os investidores, a tributação dos fundos de curto e de longo prazo segue a tabela regressiva do Imposto de Renda – e, por isso, pode ser mais elevada que a dos FIAs. Quanto mais tempo é mantida a aplicação, menor é a alíquota incidente sobre os ganhos. Nos de longo prazo, o IR mais alto é de 22,5%, para investimentos mantidos por menos de seis meses, podendo chegar a 15% após dois anos. Nos de curto prazo, as alíquotas são apenas duas, de 22,5% e 20%.
“Em tese, um fundo que mantém 67% da carteira em ações também deveria conseguir manter 75%. Mas essa elevação engessa mais os gestores e reduz a flexibilidade dos FIAs”, diz Flávio Veitzman, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto.
Na visão de um gestor de uma das mais conhecidas instituições do mercado, a elevação do mínimo de alocação em oito pontos percentuais vai ter pouca mudança no dia a dia dos fundos de ações. “Fundos de ações ‘de verdade’ não têm um terço dos recursos em caixa ou em outros ativos. Por isso, a proposta parece mais uma normalização, uma correção”, diz.
Sua atenção recai mais sobre a proposta de tributação dos lucros e dividendos, hoje isentos de Imposto de Renda. De maneira geral, a proposta original do governo, mantida pelo relator, é de taxar a distribuição de dividendos em 20%. Para os fundos de investimento, no entanto, o substitutivo prevê uma diferença: os dividendos que eles receberem das empresas em que investem seriam tributados a uma alíquota menor, de 5,88%, com a diferença para os 20% paga pelo investidor no resgate das cotas. A medida, segundo Sabino, foi negociada com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
FIDC
Também há mudanças previstas na tributação dos fundos de investimentos em direitos creditórios, os FIDCs. Atualmente, essas carteiras são tributadas seguindo a tabela regressiva, com alíquotas de 22,5% a 15%.
Além disso, nos FIDCs constituídos como fundos “abertos” – ou seja, sem prazo de vigência predeterminado e permitindo resgates de cotas –, incide ainda o come-cotas, antecipação do Imposto de Renda cobrada duas vezes por ano, em maio e em novembro. Nos FIDCs “fechados”, que possuem um prazo e não permitem resgate de cotas, não há come-cotas.
O substitutivo cria alguns benefícios para os FIDCs. Segundo o texto, eles passariam a ser tributados sempre por uma só alíquota, de 15%, no lugar da tabela regressiva. Também deixariam de ter a cobrança de come-cotas.
No entanto, para fazerem jus a essa nova sistemática, os FIDCs precisariam cumprir alguns requisitos. Um deles é manter pelo menos 75% da carteira alocada em direitos creditórios. O outro é que nenhum cotista detenha, sozinho ou cumulativamente com pessoas ligadas, mais do que 25% das cotas do fundo. Se não estiverem enquadrados, serão tributados como já são hoje em dia.
Embora tenha potencial para ser uma mudança positiva, os advogados acreditam que terá pouco impacto na prática. “FIDCs são fundos de prazos longos, por isso, no geral, investidores já pagam 15% de IR, que é a menor alíquota da tabela regressiva”, diz Ana Cláudia.
Fora isso, a chance de desenquadramento das regras é elevada. “Muitas vezes o originador dos direitos creditórios é também cotista do fundo, e pode ter mais do que 25% das cotas. Serão casos específicos que podem se beneficiar”, diz Veitzman.
Na avaliação de Ricardo Binelli, sócio-diretor da Solis Investimentos, se aprovadas, as medidas não devem tornar o produto desinteressante. “Não vejo um prejuízo, acho que a mudança não vai ser relevante. O desejo do investidor é ter mais de 75% da carteira em direitos creditórios”, diz, ressaltando que hoje a legislação obriga que o percentual mínimo seja de 50% para que um fundo seja enquadrado como FIDC.
Além disso, Binelli assinala que a maior parte dos FIDCs que vão hoje a mercado, ou seja, que chegam ao investidor, são fechados, portanto não têm a cobrança de come-cotas.
Com relação à exigência de que nenhum cotista detenha mais do que 25% das cotas do fundo para que as medidas propostas vigorem, Binelli indica que os detentores de cotas subordinadas – que, como o próprio nome indica, se subordinam às demais para efeito de amortização e resgate, e suportam as perdas e recebem excessos de rendimento – tendem a ser mais prejudicados, dada a maior concentração na classe.
FIP
Nos fundos de participações, as mudanças mais importantes se darão na tributação dos ganhos obtidos com as vendas das fatias das empresas em que investem.
Imagine que um FIP possui uma participação em uma determinada companhia, e que negocie essa participação com outro investidor por um valor superior ao valor de aquisição. Atualmente, os recursos dessa venda voltam para a carteira do fundo sem serem tributados – e com frequência são utilizados para adquirir novas participações em outras empresas.
Pelo substitutivo, os recursos obtidos pelos FIPs na alienação de qualquer investimento em companhias investidas serão considerados como distribuídos aos cotistas no último dia útil do mês subsequente ao recebimento, caso não tenham sido distribuídos anteriormente – e mesmo que não sejam efetivamente pagos aos cotistas.
Na prática, isso significa que eles passarão a ser tributados como se tivessem sido distribuídos aos cotistas, ainda que não sejam. A alíquota será de 15%.
Para Renato Folino, head da area de planejamento patrimonial na XP Private, a mudança proposta é complexa, ao afetar a característica do fundo de investimento, até então com a tributação apenas do cotista. “No caso de fundos de private equity, tem um ponto de fragilização da estrutura. Perde-se um pouco do apelo.”
Consultada sobre as medidas tributárias propostas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recomendou que a consulta fosse feita aos órgãos competentes ao assunto, tendo em vista não estarem sob sua competência legal.
“Não obstante, esta autarquia acompanha as discussões existentes envolvendo possíveis aprimoramentos na legislação que disciplina o mercado de capitais brasileiro e, na medida do necessário, ajusta sua regulação de forma a refletir os impactos de alterações legislativas.”
A Anbima também foi consultada sobre o assunto para esta reportagem, porém alegou que seu corpo técnico ainda está analisando as mudanças propostas no substitutivo.
Fonte: “InfoMoney”, 09/08/2021
Foto: Reprodução