De quando em quando, ouve-se falar em uma reforma qualquer, em geral bem falada, mas passa sem deixar lembranças. Ultimamente, a reforma da moda era a “política”. Quase sempre jornalistas indagaram minha opinião a respeito e foi uniforme a resposta: não posso falar sobre o que não conheço e nada foi esclarecido acerca dessa relevante questão. Salvo engano, são quase 30 os nossos partidos e confesso ignorar o que eles pensam acerca do problema. Geralmente, o mais que se dizia era apenas desfavorável aos “políticos”, globalmente estigmatizados. O hábito é antigo, mas é de ser notado que ele tem se acentuado, dada a sucessão de episódios inéditos destoantes dos padrões consagrados. De qualquer sorte, isto não altera o problema, pois muito importaria saber o que pensam os partidos, seus dirigentes ou líderes; e o tema parece guardado como segredo. No entanto, por vezes uma novidade, o voto secreto passa a ser apontado como excrescência arcaica, e não faltaram jornais da maior e melhor tradição que endossaram esse entendimento e logo ficou assentado que sua eliminação deveria constar da reforma política… Contudo, há casos em que a secrecidade contribui para obter resultados melhores, como no tocante à apreciação de veto, a confirmação parlamentar da escolha de altos servidores do Estado ou quanto à disciplina interna envolvendo parlamentares. Dir-se-á que pode haver abuso de poder e sempre pode, mas me recordo da ponderação de John Norton Pomeroy em seu grande livro sobre a Constituição americana, que mais de cem anos não o envelheceu, “o possível abuso do poder não é objeção idônea contra a existência do poder”.
Ora, a maioria das proposições relativas a essa área apresentam aspectos positivos e negativos; é o que se pode dizer do voto secreto nas votações parlamentares. A experiência secular dos parlamentos consagra hipóteses em que o voto é secreto, para melhor atingir sua finalidade. Saliente-se que seu número é reduzido. Entre nós, desde a Constituição de 1824, foram mencionados os casos em que a votação seria secreta e assim, sem solução de continuidade, e até hoje, nesse longo período, jamais se viu movimento de opinião no sentido da supressão dessa modalidade. Com efeito, há situações em que a experiência aconselha a secrecidade do voto.
É claro que a lei pode muito, mas não pode tudo. E, ao parlamentar que não tiver consciência da dignidade da função de que está investido, serão vãs as mais insignes garantias. O mesmo se pode dizer do juiz, do mais modesto ao mais eminente, a lei lhe confere os broquéis mais refinados, a vitaliciedade, a inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, mas, se ele não tiver no fundo da sua alma a consciência da eminência da sua função social, e se não harmonizar a humildade com a nobreza, a simplicidade com a energia, a modéstia com a firmeza no exercício de seus deveres, a equidade com o respeito às leis, de pouco valerão as solenes garantias que lhe são concedidas. Faz mais de século que Rui Barbosa escreveu “não há tribunais que bastem para abrigar o direito, quando a noção do dever se ausenta da consciência dos magistrados”.
É claro que não se pode reduzir a uma só causa um fato de dimensão nacional, mas se pode asseverar que há fatos que, por sua duração, extensão e profundidade, deixaram como não podiam deixar, de marcar a sociedade, não sei por quanto tempo. Mas bastaria a ignomínia do AI-5 para profanar um frade de pedra. Cada vez me convenço mais de que ao que vem acontecendo, não é estranho o que ocorreu então, e seus malefícios tendem a ser duradouros, a menos que a repugnância à corrupção promova o milagre de esvurmar o organismo nacional desse flagelo.
Fonte: Zero Hora, 17/10/2011
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