*Por Pedro Jobim
Após o discurso do presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro, a tensão institucional em Brasília cresceu a níveis sem precedentes nos últimos 50 anos.
A retórica do presidente é virulenta e a repulsa que ela gera em muitos brasileiros é compreensível. A análise da situação à luz das circunstâncias que concorreram para a eleição de Bolsonaro em 2018 permite, em nosso entendimento, um diagnóstico menos acalorado, e fornece pistas importantes sobre o que entendemos ser necessário para contarmos com um mínimo de estabilidade à frente.
Bolsonaro foi eleito na ressaca da maior recessão já vivida pelo país, resultado da política econômica desastrosa do governo Dilma, e dos efeitos econômicos da exposição do maior esquema de corrupção conhecido no mundo Ocidental, amplamente documentado nos processos da operação Lava Jato; e o sentimento, em meio à população, da impunidade dos políticos, protegidos pelo instituto do foro privilegiado, junto ao Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro capturou a imaginação do eleitor, galvanizou suas esperanças de alguma forma mudar esse estado de coisas, e se elegeu.
Como presidente, não atuou de forma eficaz para obter progressos nas frentes que foram responsáveis por sua eleição. Ele poderia, por exemplo, ter trabalhado numa reforma política que envolvesse a extinção do foro privilegiado.
A PEC 333/2017, que o restringe aos presidentes de poderes, fora aprovada no Senado ainda no governo Temer, mas jamais avançou na Câmara dos Deputados, e nem contou com qualquer apoio do presidente para seu progresso.
Seu antagonismo ao Judiciário, Poder que tem cometido inúmeros excessos, se limita a bravatas e ofensas pessoais a alguns de seus integrantes, e não contribui para corrigir o evidente desequilíbrio existente entre os poderes no Brasil de hoje, resultado do mecanismo de checks and balances defeituoso instituído pela Constituição de 1988, que já exploramos em artigo anterior.
As manifestações do Dia da Independência foram gigantescas e pacíficas. Muito além de revelar simples apoio ao presidente, elas tornaram cristalino o fato de que existe uma parcela enorme da população que simplesmente não tolera, de um lado, a continuidade dos evidentes abusos por parte de um poder constituído – que incluem, mas não se limitam, à reabilitação eleitoral do ex-presidente Lula e à prisão de diversas pessoas – inclusive de parlamentares, com imunidade inviolável, sem o devido processo legal – e de outro, a perspectiva concreta da volta do PT ao poder, poucos anos depois de todo o rastro de desemprego, espoliação de recursos e impunidade com que o partido fustigou o país.
O nível elevado de tensão política, caso não seja rapidamente revertido, deverá levar ao aumento da incerteza econômica e a queda da confiança dos agentes, abortando a recuperação em curso e provavelmente levando a economia do país à estagnação ou mesmo à recessão em 2022.
Nessa dinâmica, os preços dos ativos, incluindo a Bolsa e a taxa de câmbio, seguirão se depreciando. A inflação seguirá elevada e a taxa de juros precisaria continuar subindo para limitar a piora das expectativas de inflação.
Nessas circunstâncias, a popularidade do presidente seguiria caindo e poderia viabilizar seu afastamento – que, se hoje já é desejado por parte do establishment político e econômico, não reúne ainda condições objetivas para sua materialização.
Se o eventual afastamento do presidente propiciaria, não antes de observarmos mais um duro período de turbulência política e econômica no interstício que levaria à sua viabilização, algum alívio de curto prazo, esse evento, por si só , não será capaz de oferecer a perspectiva de um período de estabilidade e crescimento à frente.
A insatisfação e a revolta demonstradas pela população no dia 7 de setembro não irão desaparecer com o eventual impeachment do Presidente da República, pois as chagas que levaram à eleição de Bolsonaro são profundas e ainda estariam lá, abertas e bem nítidas.
A sociedade precisa encarar, de uma vez por todas, o dificílimo encontro com a realidade necessário para que o país volte a gozar de mínima estabilidade – que incluem, mas não se limitam a – o fim do foro privilegiado, a prisão em segunda instância, a limitação do mandato dos ministros do STF a dez anos e à instituição do voto distrital para deputado federal.
Caso contrário, poderemos viver um período de instabilidade política que poderá ser relativamente longo.
Sem uma reforma política profunda, as disfuncionalidades que o país exibe se agravarão, inviabilizando o avanço das reformas econômicas, acelerando a desagregação social, a pobreza, e criando condições crescentemente propícias a uma ruptura de fato, que poderia nos colocar na rota do verdadeiro autoritarismo.
Fonte: “InfoMoney”, setembro/2021
Foto: Dida Sampaio/Estadão
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