Reforma política, a mãe de todas as embromações
Após a eleição de Dilma, a imprensa se debruçou sobre o gabinete de transição. A curiosidade era grande para saber quais eram os projetos do novo governo. Foram mais de dois meses de assédio em vão. Ninguém conseguia descobrir nada. Às vésperas da posse, surgiram rumores de que a equipe de Dilma estava trabalhando num projeto de reforma política. Informação preocupante. Como se sabe, o assunto reforma política é uma velha senha para a falta de assunto. Mas o que estava por vir era ainda pior do que isso.
O novo governo começou e, confirmando todas as expectativas do período de transição, não tinha projeto nenhum. Foram 100 dias de partilha de cargos, debates sobre salário mínimo, cortes de gastos imaginários, comemorações do Dia da Mulher e aumento das despesas com cartões corporativos, que ninguém é de ferro. Aí veio a notícia da aprovação de 73% para a “presidenta” – um formidável reconhecimento por tudo o que ela não fez: não abraçou Ahmadinejad, não tirou foto com Fidel, não piscou o olho para o companheiro Khadafi, não fez metáforas futebolísticas.
À sombra desse governo sossegado, com sua simpática cara de feriado, tinha de surgir ela, a mãe de todas as embromações: a reforma política.
Sua última grande aparição tinha acontecido após o escândalo do mensalão. No que Lula declarou que caixa dois era uma coisa normal no Brasil, entraram em cena os pensadores providenciais. Sua tese era enxergar o governo petista como vítima de um sistema que o induzia à corrupção. E a reforma política resolveria tudo, até dinheiro na cueca. Com ela, talvez Marcos Valério se transformasse num Dalai-Lama (lama no bom sentido). Como sempre, a discussão não deu em nada. Mas foi muito útil, especialmente para a turma do valerioduto.
A nova aparição da reforma política, em plena tarde dominical do governo Dilma, promete aumentar a dose da monotonia geral. Mas desta vez há novidades. A primeira é que o projeto nasce no Senado, apadrinhado por José Sarney, o imortal. E aí deve-se reconhecer um grande projeto de Dilma: reeleger Sarney presidente do Senado, mesmo depois de flagrado fazendo tráfico de influência – projeto concluído com pleno êxito. Tinha de vir pela lavra fecunda do senador imortal o novo grito de moralização da classe política. E essa versão do projeto veio caprichada.
Dentre os pontos já aprovados pela Comissão de Reforma Política está o financiamento público de campanhas. É um princípio genial: o contribuinte vai dar mais dinheiro aos partidos, para que eles não tenham de recorrer a doações privadas e o poder econômico não decida as eleições. É realmente muito mais civilizado passar o dinheiro privado todo para o caixa dois. Ou pelo menos mais discreto – e mais lucrativo.
Outra maravilha já aprovada na Comissão é o voto em lista fechada. Você não votará mais no deputado de sua preferência. Votará no deputado da preferência do José Dirceu, do Roberto Jefferson ou de seus sucessores na chefia dos partidos. Chega de intermediários.
O novo projeto de reforma política institui também o “cotão” para mulheres. Metade dos candidatos a deputados e vereadores terá de ser do sexo feminino. Essa forma natural e espontânea de afirmação feminista produzirá grandes avanços, notadamente na fabricação de candidatas laranjas, como as que fizeram história no partido do Enéas.
Também já foi aprovado pela Comissão do Senado o fim da reeleição. De fato, isto é urgente. Era muito mais emocionante no tempo em que os governantes, quando suas políticas começavam a dar resultado, tinham de dar lugar a outro – que jogava tudo fora e reinventava todas as rodas, agora com a sua assinatura.
Com tanta coisa por consertar no Brasil, realmente só faz sentido discutir reforma política desse jeito: propondo as piores medidas. Pelo menos será gostoso vê-la não dar em nada.
Fonte: revista Época, 18/04/2011
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