Em tempos de eleição devemos fazer uma reflexão aprofundada sobre a democracia e a política. É importante, no entanto, não cair no discurso fácil de que, dado o gigantismo de nosso processo eleitoral, somos uma democracia madura. Temos um processo eleitoral relevante e exemplar em muitos sentidos, mas o processo político que precede as eleições é doentio, viciado e carente de aperfeiçoamentos.
O Brasil de hoje, mesmo com os avanços institucionais obtidos desde a redemocratização, em 1985, ainda vive sua infância democrática. E para que soluções não democráticas não prevaleçam cuidados são essenciais. É certo afirmar que democracia e desenvolvimento econômico e social andam juntos, pois países com índice de desenvolvimento humano avançado quase sempre são democracias consolidadas. Este é o ideal que o Brasil deve perseguir: ser uma democracia socialmente justa e desenvolvida.
Entretanto, nossos vícios e desvios estão ameaçando nosso caminho na busca por uma democracia madura. Retrocessos, infelizmente, integram o processo histórico e não é diferente no Brasil. Além do risco de retrocessos, temos ainda aspectos que não evoluíram ou evoluem lentamente. O autoritarismo faz parte de nosso dia a dia, por exemplo, na humilhação que cidadãos sofrem na mão de servidores e funcionários públicos arrogantes, na qualidade precária de muitos serviços públicos e no desproporcional poder do Estado perante a sociedade.
Não falo dos poderes que o Estado deve ter, mas da opacidade e da desconexão com que o Estado brasileiro funciona. Aponto ainda a intervenção brutal do Estado na economia, direcionando recursos para setores premiados; a carga tributária abusiva, se comparada à contrapartida dada ao contribuinte; e o uso político e corporativo de empresas estatais na destruição de valor, como a ocorrida na Petrobras.
Existem ainda três outras graves expressões de autoritarismo disfarçado: o corporativismo, não a velha ideologia, mas a reles atuação destinada a salvaguardar benefícios em detrimento do bem comum; o clientelismo que engraxa as relações políticas; e a corrupção. O corporativismo é tão vil e destruidor quanto os demais vícios, pois sonega ao bem comum os recursos desviados para castas privilegiadas.
O clientelismo é igualmente trágico para a sociedade na medida em que onera o custo dos bens e dos serviços públicos. A corrupção contamina as relações entre a sociedade e governo: dando vantagens indevidas na obtenção de negócios, alimenta esquemas escusos de financiamento de políticos e partidos, sendo praticada tanto como forma de alcançar benefícios quanto como solução ante o arbítrio e a ineficiência.
Porém temos muitos outros problemas em nossas instituições e seria cansativo listá-los. A prova de que o sistema não anda nada bem é a sucessão de escândalos políticos. Os famigerados “mensalões” foram praticados por quase todos os partidos, entre os principais. Quase 2 mil candidatos nestas eleições foram impugnados por causa da Lei da Ficha Limpa. Alguns partidos são meras agremiações de competição eleitoral, outros são valhacoutos de interesses muitas vezes escusos e inconfessáveis ou feudos de “empresários” políticos.
As coligações partidárias mascaram os partidos e os nanicos transformam-se em vendedores de vagas e de tempo de televisão na propaganda eleitoral. Celebridades e abonados têm seu caminho pavimentado para o Congresso em detrimento do político comum, em extinção. A Câmara de 2015 iniciará seus trabalhos com nada mais, nada menos que 28 partidos. O que não é nada bom para o sistema político.
A política no Brasil deveria ser sempre uma atividade nobre e generosa, destinada ao progresso econômico e, sobretudo, ao desenvolvimento humano. Quando a política funciona bem, promove muitos avanços. Os avanços nos direitos humanos e trabalhistas, por exemplo, foram decorrentes de boas políticas.
A má política gera atrasos e injustiças, num círculo vicioso. A degradação da política gera mais degradação. E o inacreditável é que a resposta de nossas instituições é lenta, muito lenta. Tivemos avanços, como a implementação da urna eletrônica, a imposição judicial da fidelidade partidária e a instituição da Lei da Ficha Limpa. Mas estamos muito aquém do que necessitamos.
Nestas eleições, apesar das declarações em favor da reforma política, não percebi o ardor necessário dos candidatos para avançar em favor de uma reforma ampla e profunda. Falta-nos, nesta quadra de nossa História, um movimento como aquele em favor da anistia ampla e irrestrita do final dos anos 1970. E, sobretudo, falta sentido cívico a nossos líderes políticos para assumirem a necessidade de reformar o que não está funcionando bem.
Uma oportunidade está aparecendo no horizonte: em 2015 muitos políticos e parlamentares deverão responder a processos no STF por causa das delações ligadas ao escândalo na Petrobras. São gravíssimas as acusações envolvendo corrupção e uso político da empresa. O episódio poderá ter poder devastador nas lideranças políticas, que serão obrigadas a se defender na mais alta Corte de acusações que devem vir solidamente fundamentadas por estarem inseridas numa das mais cuidadosas investigações de nossa Justiça. Se necessitamos de crises para avançar, a crise de 2015 já está anunciada.
Não devemos esperar piorar para fazer o que é certo. O caminho é a criação de um pacto em favor de uma reforma política que tenha a participação dos três Poderes e da sociedade civil. Os temas que devem ser debatidos são de conhecimento: financiamento de campanha, teto de despesas de campanhas, fidelidade partidária, cláusula de barreira, fim das coligações para eleições proporcionais, fiscalização pela sociedade civil do fundo partidário, limite à reeleição de presidentes de agremiações e ao nepotismo em partidos, entre outros. Sobram temas e urge a necessidade. Falta interesse e falta coragem.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/10/2014
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