Com o processo de impeachment em curso, muitos se perguntam se um novo governo conseguiria pôr o Brasil numa nova rota de crescimento. Mas uma pergunta esquecida, e talvez mais importante, é: como evitar que novos governos, quaisquer que sejam eles, cometam as mesmas irresponsabilidades da atual gestão que nos levaram à atual crise?
Mais do que ações corretivas, o momento exige mudanças institucionais de impacto duradouro. A probabilidade dessas mudanças, entretanto, é vista com muito ceticismo. Na votação do impeachment, raríssimos congressistas efetivamente justificaram seu voto citando a raiz da acusação, centrada em desvios fiscais. Preferiram, em vez disso, jogar para a torcida, com frases de efeito e sem relação com o que se acusava. Como poderia, então, este mesmo Legislativo propor e aprovar as reformas necessárias?
Surpreendentemente, e sem muito alarde, algumas boas propostas já estão em curso, com foco em pelo menos três importantes temas: equilíbrio fiscal, governança e transparência. No âmbito dos gastos públicos, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi um grande avanço, mas se mostrou suscetível a brechas e desvios. A atual gestão é essencialmente acusada de apresentar à sociedade uma situação fiscal irreal, postergando despesas necessárias e propondo metas fiscais inconsistentes com o padrão de gastos. Nessa linha, um projeto no Senado procura instituir o chamado“realismo orçamentário”. Entre outras coisas, o projeto obriga o governo a marcar com total transparência todas as despesas atuais e já contratadas, de forma a balizar corretamente novos gastos e investimentos.
Há também várias propostas para aprimorar a governança do setor público. A Lei de Responsabilidade das Estatais, aprovada no Senado e agora seguindo para a Câmara dos Deputados, estabelece travas contra a intervenção e corrupção em empresas controladas pelo Estado. Mas a ingerência do governo na economia foi muito além das estatais. Como discuti no meu livro “Capitalismo de Laços”, mesmo durante as privatizações o governo se expandiu pela economia não só via estatais, mas também por meio de inúmeras participações societárias via BNDES e fundos de pensão. Nesse sentido, foi recentemente aprovado no Senado, em votação unânime, um projeto de lei visando a disciplinar esses fundos. O projeto coíbe o apontamento político nos próprios fundos e também nas suas empresas investidas.
Finalmente, no tema de transparência, novos projetos de lei exigem que o BNDES calcule com precisão o custo dos seus subsídios e procure avaliar se suas operações têm efetivamente gerado impacto social. Ainda um outro projeto amplia a Lei de Acesso da Informação ao instituir um sistema aberto de dados para avaliar políticas públicas, da mesma forma que o projeto de realismo orçamentário propõe um sistema geral de avaliação de políticas. Essas ações visam a disciplinar a tendência dos políticos em recompensar com dinheiro público seus patrocinadores e apadrinhados. Gastamos no Brasil ao redor de R$ 300 bilhões por ano com subsídios e isenções diversas, sem análises aprofundadas sobre o que a sociedade ganha ou perde ao distribuir tantas benesses.
Eis aí uma bela oportunidade para nossos legisladores mudarem sua imagem e mostrarem que são mais do que uma mera agremiação de interesses particulares. Para o governo, qualquer que seja ele, é também a chance de sinalizar mais seriedade e credibilidade nas suas políticas. Sinais claros de compromisso fiscal, governança e transparência devem facilitar o necessário ajuste, pois reduzirão a chance de novos desvios no futuro e aumentarão a confiança dos agentes econômicos. De nada adiantará mudar o governo se o risco de descontrole persistir. Num momento de crise, é hora de ancorarmos nosso futuro menos em pessoas ou partidos e mais em regras do jogo robustas que evitem novos desvios independentemente de quem esteja no governo.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 30 de abril de 2016.
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