A reforma decorre de um óbvio e espúrio entrelaçamento de interesses entre uma estrutura claramente superdimensionada da Justiça do Trabalho (JT) e uma legislação desnecessariamente detalhada, rígida e complexa. Claramente, nem a infraestrutura precisa ser desse tamanho, nem as regras precisam ser desse jeito.
Como lembra Roberto Campos, no Brasil, às vezes, o fim serve aos meios.
Alguns números: a população ativa deve andar na faixa de 100 milhões e, em 2008, havia 16 milhões de ações na JT, cerca de metade em torno de rescisões. O valor médio dessas ações era cerca de R$ 15 mil, mas o custo total da própria JT, nesse ano, foi de R$ 9,1 bilhões, ou seja, cerca de R$ 57 mil por processo.
Sozinha, a JT consumiu 0,28% do PIB em 2015, a maior parte, despesa de pessoal: 60,2 mil servidores, dos quais 3.600 magistrados. Nos EUA e na Inglaterra, a Justiça inteira consumiu 0,14% do PIB, metade da JT brasileira.
A reforma de agora não toca na Constituição, portanto, é apenas um início auspicioso de um processo que ainda tem muito a caminhar. Trata-se de uma lei ordinária que altera um decreto com força de lei, assinado por um ditador e jamais apreciado pelo Congresso. Depois de setenta anos, quando finalmente vários de seus dispositivos foram revisitados, é como se abríssemos uma caixa de curiosidades.
Um dos itens da reforma é a possibilidade de parcelamento de férias. Outro é permitir que a mulher casada possa litigar na JT sem a permissão do marido. Alguém poderá perguntar como tais coisas podiam estar proibidas por lei?
Pois é. Na verdade, há um substrato profundamente autoritário na ideia que os direitos dos trabalhadores, em muitos casos, não estão “disponíveis”. Isso quer dizer que você não é livre para abrir mão de seu direito porque você é considerado hipossuficiente, isto é, um incapaz diante da lei, e daí se justifica a necessidade de inflar indevidamente o papel do Estado.
Em consequência disso surgem incontáveis situações onde o empregado “abre mão” de certo direito para conseguir um emprego, firmando algum compromisso com o empregador, mas, quando perde o emprego, muda de ideia, ignora o combinado e vai buscar do que abriu mão, mais o que a imaginação do advogado conceber, com isso ganhando ao menos duas vezes.
Para reduzir esta distorção é muito importante o dispositivo que estabelece, para muitos temas do contrato de trabalho, o primado do pactuado sobre a lei.
Na mesma linha, a reforma traz uma inovação interessante e de grande potencial, a que permitiu uma espécie de “maioridade laboral” para certos tipos de trabalhadores. Aqueles com curso superior e com remuneração maior que duas vezes o teto dos benefícios da Previdência, ou seja, R$ 11.052,63, podem agora estabelecer os seus contratos de trabalho como bem entenderem.
Os outros trabalhadores continuam sendo perfeitamente incapazes e obrigados a aceitar a tutela do Estado para fixação de seus regimes de trabalho.
Mas por que R$ 11.052,63 e não R$ 1.903,98 que é o limite de rendimento isento conforme a tabela progressiva do Imposto de Renda, ou seja, a “maioridade tributária”?
Se o trabalhador não é hipossuficiente para pagar impostos, ou para preencher sua declaração de Imposto de Renda, por que deve ser tratado como tal quando se trata de definir os termos do seu emprego?
O fato é que ficou claro que a “vulnerabilidade” do trabalhador pode ser medida por quanto ele ganha.
Entre outros progressos, resta mencionar o fim do imposto sindical, esta abominação cuja durabilidade não se consegue explicar.
É um disparate que as pessoas (físicas e jurídicas) sejam obrigadas a recolher uma contribuição sindical mesmo quando não querem pertencer a nenhum sindicato.
O Brasil tem 11.327 entidades habilitadas a receber a contribuição, cuja arrecadação alcançou R$ 2,1 bilhões em 2016. Do lado patronal foram R$ 934 milhões. A imensa maioria dessas entidades só existe para captar esse recurso.
Nenhuma boquinha terminou no Brasil sem certa dose de esperneio e gás lacrimogêneo. A sexta-feira que passou foi dedicada a isso. Vida que segue.
Fonte: “O Globo”, 30/04/2017
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